Inspecção Educativa:Paradigmas, modalidades e características de actuação

Inspecção Educativa:
Paradigmas, modalidades e características de actuação



1. Entendimento da Inspecção Educativa

De acordo com a definição apresentada pelo Simpósio Europeu sobre Inspecção Escolar, realizado em Madrid, Espanha, em Junho de 1985, Inspecção é a “instituição mediante a qual o Estado, através de um órgão técnico e profissionalizado, comprova como se realiza o processo educativo em cada uma das instituições escolares”.

Desta definição decorre a função central da Inspecção que é a de controlo, através da qual a instituição, servida de profissionais tecnicamente competentes, trata de obter as evidências ou comprovações relativas ao processo educativo. A essa função é inerente a função de análise e valorização técnica do sistema educativo em geral e do sistema escolar, em particular, posto que os factos apurados permitem à Inspecção fundamentar propostas tecnicamente sustentáveis para o aprimoramento do serviço educativo. Esta última vertente não aparece explícita na definição supracitada, ainda que possa depreender-se da mesma.

Assim, e resgatando em larga medida tal definição, podemos dizer que

Inspecção é um órgão técnico e profissionalizado do Estado que comprova como se realiza o processo educativo e contribui, com propostas fundamentadas, para a melhoria do desempenho das instituições educativas.



2. Evolução dos paradigmas de Inspecção

Existem várias abordagens acerca de modelos ou paradigmas de inspecção educativa. As próprias designações desse serviço de “controlo”, ao longo dos tempos costumam servir de critério de abordagem dos modelos de Inspecção. Assim, e falando da experiência recente de Cabo Verde, podem encontrar-se designações que indiciam, de algum modo, a natureza ou mesmo o conteúdo da acção inspectiva: inspecção escolar, inspecção de ensino, inspecção de educação...

Tendo, em outro documento[1], seguido uma certa abordagem dos paradigmas de inspecção, na senda do pedagogo Manuel Alvarez Fernandes, vamos, desta feita, utilizar outra abordagem, de forma, aliás, menos complexa e mais sucinta.

Assim, podemos falar dos seguintes modelos de Inspecção, correspondentes às funções dominantes desta instituição nas diferentes etapas de sua evolução, até aos últimos anos: o modelo autocrático, que privilegia a função de vigilância; o modelo laissez-faire, que enfatiza a função de orientação ou aconselhamento; o modelo democrático ou de supervisão, que coloca ênfase na função de análise e melhoramento de sistemas.




2.1. Modelo autocrático ou tradicional – A ênfase na função de vigilância

Nesta primeira etapa, o inspector assume o papel de vigilante, fiscalizador e sancionador de professores. Esse papel, que se revestiu de aspectos marcadamente negativos, evidenciou-se em contextos específicos, correspondendo, por um lado, ao paradigma de escola tradicional e, por outro, a modelos mais ou menos autocráticos ou autoritários de poder político. Nesse contexto, a imagem que se tem do inspector, de algum modo idêntica à de polícia, é a de um agente autoritário que, através de visitas quase sempre de surpresa, vai, sobretudo, à procura de infracções que são transmitidas às entidades hierárquicas competentes para efeitos de tomada de medidas sancionatórias. Este paradigma tradicional e autocrático de inspecção inspirava, por isso, receio ou mesmo medo a muitos professores, que recebiam as visitas inspectivas como quem enfrentava um “perigo” eminente.

2.2. Modelo laissez-faire – A ênfase na função de orientação ou aconselhamento

Nesta segunda etapa, que corresponde às diversas tendências de evolução da educação, de modo a ultrapassar os aspectos negativos e até mesmo odiosos do modelo tradicional, o inspector tende a apresentar-se como orientador, conselheiro e amigo do professor, a quem ajuda na sua autosuperação, na resolução das suas dificuldades de desempenho profissional. Trata-se de um paradigma paternalista ou de “laissez-faire”, que se centra no professor e visa a melhoria do seu desempenho escolar, dando-lhe uma margem de participação. Falta a este paradigma uma visão sistémica da educação e de inspecção educativa.

2.3. Modelo democrático ou de supervisão – A relevância da função de análise e melhoramento de sistemas

A terceira etapa corresponde à assunção pela inspecção de uma abordagem sistémica da educação, procurando analisar os sistemas escolares e o sistema educativo em geral, tendo em vista a sua melhoria. Nesta etapa, o inspector trabalha com equipas de professores e com a ajuda de diversos especialistas para conhecer e melhorar a situação total de uma escola ou instituição educativa, região educativa ou mesmo do sistema educativo a nível nacional. Nesse mister, propõe programas integrados de desenvolvimento educativo, com a colaboração de todos os agentes integrados no sistema educativo, tendo em conta que este é complexo, dinâmico, aberto e probabilístico. Está-se perante um paradigma democrático de inspecção, também chamado de supervisão escolar.

Entretanto, ao apresentar-se, deste modo, as etapas de evolução da Inspecção, deve entender-se que essas etapas sucedem-se mas não se excluem totalmente, ou seja, uma nova etapa aproveita criticamente e acumula contribuições da anterior, numa evolução em espiral, de tal sorte que o paradigma que prevalece hoje em dia será uma síntese criadora dos diferentes modelos, com tendência para se banir as práticas autoritárias e odiosas de inspecção.

As recentes investigações em matéria das Ciências da Educação consideram que se está perante um quarto modelo, que pode denominar-se de PARADIGMA EMERGENTE DE INSPECÇÃO, o qual incorpora os mais recentes subsídios para a acção educativa e, em particular, para o desempenho da função inspectiva, orientada no sentido da promoção da excelência da educação. Os contornos deste novo paradigma não se acham definidos de forma acabada e talvez por isso resida a sua potencialidade. A nova inspecção, sem abdicar da sua função central de controlo, realiza-a com conteúdos, métodos e estilos inovadores e mais adequados aos novos tempos, em que a educação (que se massifica a um ritmo espantoso) só pode ser de qualidade se for encarada como obra de todos, tanto na sua configuração ou planeamento, como na sua realização, gestão e controlo, sem prejuízo do papel central da escola, que deve ser encarada como entidade particularmente empenhada na construção de um serviço educativo de qualidade e bem assim na avaliação desse serviço, para o que conta com o contributo essencial da Inspecção enquanto corpo profissionalizado e especializado de agentes educativos.

3. Natureza e função da Inspecção nos Sistemas Educativos

3.1. Natureza e lugar da Inspecção Educativa

Segundo Sanches Miras, em “A função supervisora nos sistemas educativos”, “a Inspecção parece que não termina de encontrar-se a si mesma, tem dúvidas sobre qual deve ser o seu desenho funcional e organizativo, sua condição de ponte entre a Administração e a Escola, que a relega a um constante desassossego”.

Na perspectiva do XIX Congresso de Instrução Pública de Genebra, “o objectivo principal da Inspecção é promover por todos os meios o desenvolvimento e a eficácia das instituições educativas e assegurar uma relação recíproca entre as autoridades e as comunidades escolares”.

Esta ambivalência, esta dupla relação entre o Poder Político e as Escolas tende a produzir no inspectores (supervisores) sentimentos de ansiedade e insegurança, por um lado, por sentirem-se inclinados a estar de bem com as escolas e os seus agentes (docentes, discentes e funcionários) e, por outro lado, por estarem impelidos a controlar a aplicação de uma política educativa concreta, para o que carece de suficiente poder.

Esta crise de identidade verifica-se sobretudo nos modelos mais modernos de Inspecção, pois que no tradicional o seu papel era evidente: um controlo puro e simples do desempenho, para efeito de identificação dos desvios às normas e à adopção das medidas sancionatórias que se impusessem.

Actualmente, tende a pôr-se de pé uma Inspecção Educativa susceptível de superar essa ambivalência, ou seja: uma inspecção dotada da necessária autonomia funcional e de independência de critérios de actuação, em que a legalidade, a objectividade e a imparcialidade constituem princípios deontológicos por que se orientam os inspectores no exercício das suas funções e, logo, na realização das suas intervenções e na formulação das suas proposições.

Daí que, na actualidade, se note ainda algum pejo em assumir que a Inspecção tem a função de controlo. E quando se admite essa função, procura-se, por vezes, relegar tal função a um plano secundário (de mera verificação do cumprimento dos normativos), relevando-se outras funções, como as de supervisão, coordenação, avaliação, assessoramento técnico e, recentemente, de auditoria.

Mais adiante referir-nos-emos, sucintamente, a essas diversas funções, mas com uma advertência: não se trata de novas funções inspectivas que se se juntam à de controlo, mas sim de várias modalidades ou sub-funções que integram a macro-função de controlo, enquanto parte do ciclo da gestão do sistema educativo. Esse ciclo de gestão sistémica compõe-se, essencialmente, das seguintes fases:

a) Planeamento – Trata-se de, a partir de uma dada situação, determinar objectivos, adoptar princípios de acção e escolher uma estratégia com vista a criar-se uma situação desejável, num horizonte temporal fixado e tendo em conta os recursos disponíveis;

b ) Organização – Consiste em ligar logicamente todas as componentes que intervêm num dado sistema ou processo, precisar o papel e as funções de cada unidade, determinar a origem, o montante, o modo e o momento da utilização dos recursos humanos, financeiros ou tecnológicos necessários para atingir os objectivos;

c) Direcção – Traduz-se pela tomada de decisões relativas a um dado sistema (ex: distribuir tarefas; dar instruções sobre o trabalho a realizar, os métodos, o momento de execução; dar ordens e directivas...), visando o seu funcionamento adequado. Vem a ser a liderança do processo;

d) Execução – É fase em que se leva à prática as decisões da organização. Traduz-se num conjunto de acções e operações que, sob a orientação da direcção e combinando os meios e recursos da organização, visam materializar as decisões, os planos ou projectos, de modo a alcançar as metas pretendidas num determinado horizonte temporal.

e) Controlo – Consiste em examinar o cumprimento dos objectivos e metas fixados. Inclui, essencialmente, as funções de auditoria, supervisão, fiscalização e avaliação e trata de reforçar os factores positivos (pontos fortes) e eliminar ou atenuar os negativos (pontos fracos), visando a melhoria da organização, a sua passagem a uma fase de maior eficiência e eficácia. Em função dos resultados do controlo, são fornecidos imputes que podem contribuir para a tomada de novas decisões ao nível do planeamento, retomando-se o ciclo de gestão sistémica.

3.2. Entendimento da função central da Inspecção Educativa

Muitas vezes encarado de forma redutora e até pejorativa, como uma espécie de policiamento, o controlo é, todavia, algo fundamental para a performance de qualquer organização, ou seja, para o sucesso de qualquer entidade interessada em obter, de forma contínua, níveis elevados de desempenho. O sistema educativo não foge à regra!

Assim, a função de controlo é inerente ao paradigma pós-moderno ou emergente de inspecção educativa, que a vem cultivando no sentido de contribuir efectivamente para a elevação do grau de eficiência e eficácia do sistema educativo, no seu todo, e das diferentes instituições educativas, em particular.

Do ponto de vista da teoria de sistemas, o Controlo pode e deve ser considerado de forma abrangente, posto que:

a) O Controlo deve ser sistemático e contínuo, o que implica agir antes, durante e depois da actuação da instituição educativa, procurando-se, em qualquer dos casos, melhorar ou mesmo optimizar os resultados (controlo ex-ante, concomitante e superveniente);

b) O Controlo tende a ser exercido em relação à totalidade sistémica, no sentido de que deve considerar a actuação de todos os segmentos da organização (enquanto sistema), procurando verificar e aferir até que ponto essa organização (e cada um dos seus segmentos) concorre para a realização dos fins que prossegue;

c) O Controlo é uma função inerente a toda a organização que, no cumprimento da sua missão, procura alcançar determinadas metas, em horizontes temporais determinados e com base nos recursos de que dispõe. Assim, ainda que encarada como fazendo parte de um sistema mais vasto (sistema educativo, por exemplo), toda a organização (a escola, por exemplo) deve, necessariamente, controlar o cumprimento da sua missão e dos objectivos e metas que estabelece, tendo em vista a procura da excelência do respectivo produto ou serviço;

d) O Controlo é, como já foi referido, uma macro-função, que inclui, diversas outras funções (ou sub-funções), como as de Auditoria, Supervisão, Avaliação e Fiscalização, compreendendo cada uma destas funções determinadas tipologias específicas de intervenção[2], como adiante explicitaremos de forma sucinta.


4. A Inspecção Educativa e as modalidades de Controlo

Como vimos, as diversas modalidades de intervenção da Inspecção Educativa fazem parte integrante da sua função central de controlo do desempenho do sistema educativo, em geral, e das instituições educativas, em particular.

Passemos a analisar algumas das principais funções da Inspecção Educativa, enquanto modalidades da macro-função de controlo que lhe é própria.


4.1. A função de Auditoria

Reserva-se normalmente a função da Auditoria para as intervenções em que a entidade competente (no caso, a Inspecção Educativa) se propõe contribuir, através de um processo de exame conduzido segundo referências e procedimentos técnica e cientificamente recomendáveis, para que a instituição educativa tome consciência dos pontos fortes e fracos do seu desempenho e encontre subsídios que lhe permitam consolidar ou almejar a excelência do serviço (educativo) prestado.

Recentemente introduzidas no sistema educativo e sem que tenham ainda assentado arraiais, as auditorias são de diversos tipos, podendo mencionar-se, de forma sucinta, os seguintes:

a) Auditorias internas – São exames de conformidade do serviço educativo, efectuados por órgãos, serviços e agentes vocacionados, pertencentes à própria instituição escolar ou de ensino;

b) Auditorias externas – São auditorias efectuadas por entidades externas à escola ou instituição educativa, podendo ter lugar por iniciativa do órgão de auditoria ou entidade que o superintende ou ainda a pedido da própria escola ou instituição educativa em causa;

c) Auditorias sociais – São exames que permitem a uma instituição educativa avaliar a eficácia social do serviço educativo que presta, aferir o grau em que realiza os valores intrínsecos à acção educativa, de modo a que possa melhorar seus resultados sociais e dar conta deles a todas as pessoas comprometidas com sua actividade;

d) Auditorias operativas ou de gestão – são avaliações que se efectuam de modo a determinar se os recursos afectos à prestação do serviço educativo são geridos sob critérios de racionalidade (economia), se os serviços e órgãos de gestão da escola funcionam com eficiência e se os resultados alcançados correspondem aos objectivos definidos e realizáveis num dado contexto (eficácia);

e) Auditorias globais ou completas – São aquelas que o exame abarca todos os aspectos ou vertentes de uma organização escolar (organização administrativa, funcionamento dos órgãos, gestão financeira, acção pedagógica, avaliação das aprendizagens, acção social escolar, etc.), implicando a afectação de auditores polivalentes ou envolvimento de auditores capacitados em diferentes áreas ou especialidades;

f) Auditorias integradas – São encaradas, por vezes, como sinónimas das anteriores, mas o que as caracteriza e distingue é, essencialmente, a circunstância de enquadrarem os diferentes aspectos da organização escolar em actuações únicas e coordenadas, procurando-se sintetizar e evitar a duplicidade das acções de auditoria e, em especial, encarar e avaliar a instituição educativa como um sistema, examinando como os seus diversos segmentos interagem para o cumprimento da missão e dos fins prosseguidos pela instituição;

g) Auditorias parciais ou limitadas – São auditorias que se limitam a observar uma parte específica da actuação pedagógica (ex: como decorre uma dada aula);

h) Auditorias prévias, antecedentes, ex-ante ou a priori – São auditorias que se efectuam antes da implementação da acção educativa que interessa, numa perspectiva de prevenção de erros ou fracassos e de optimização de condições para o sucesso da mesma. Traduz-se, em larga medida, em apoio técnico-pedagógico, visando a criação das premissas da excelência;

i) Auditorias concomitantes – São exames de conformidade, de natureza pontual ou permanente, que se efectuam enquanto se desenvolve a acção educativa, visando evidenciar os pontos fortes, que devem ser mantidos, e bem assim detectar e superar eventuais pontos fracos no decurso da acção;

j) Auditorias sucessivas ou a posteriori – São auditorias efectuadas no fim de dado período de tempo (por exemplo, um ano lectivo), para verificar os resultados da actuação da escola nesse período;

k) Auditorias contínuas – São aquelas que se fazem mediante um processo de observação permanente do desempenho da instituição educativa, à luz de um ou mais indicadores ou aspectos de actuação, durante um período mais ou menos prolongado ou não fixado previamente. São autênticos observatórios de controlo de qualidade da educação. (Ex: auditoria ao processo de iniciação da leitura e escrita);

l) Auditorias pontuais – São feitas consoante as necessidades sentidas pela escola ou pela entidade competente, não obedecendo a uma planificação regular.

Nas instituições educativas, alguns dos tipos de auditoria referidos podem ser utilizados no quadro das Auditorias Pedagógicas ou de Gestão (Gestão Financeira, Patrimonial, de Recursos Humanos, etc.). Assim, uma Auditoria Pedagógica, pode ser global ou parcial, interna ou externa, pontual ou contínua, etc., o mesmo podendo acontecer, v.g. com uma Auditoria Financeira.


4.2. A função de Supervisão

Por seu turno, a Supervisão (literalmente, “visão superior”) é uma função de controlo cometida a certas entidades, no seio de uma organização, e consiste em analisar, confirmar ou corrigir actos praticados pelos agentes ao serviço dessa mesma organização. A supervisão compreende diversas modalidades:

a) Supervisão correctiva – Trata de localizar os defeitos e erros para os corrigir. Geralmente, trata dos “sintomas” em vez de investigar as causas dos problemas. Preocupa-se com os erros mais do que com os méritos. Tende a desaparecer na sua forma pura.

b) Supervisão preventiva – Trata de prevenir em vez de “curar” os defeitos ou males da instituição educativa. Procura orientar, formar, informar previamente para que não se verifiquem os erros e desvios. Procura evitar que os agentes educativos percam confiança em si mesmos.

c) Supervisão construtiva – Não menciona as falhas e erros enquanto não cria condições específicas para a sua solução. Procura desenvolver a capacidade técnica e a personalidade dos agentes educativos em vez de se contentar em remediar as faltas. Não se preocupa apenas em capacitar o agente educativo para a solução de um dado problema encontrado, mas trata de desenvolver a capacidade do agente para enfrentar, por si, outros problemas

d) Supervisão criadora – Trata de motivar o agente educativo (v.g. o professor) para um trabalho inovador. Trata de estimular e contribuir para que cada professor ou educador seja um verdadeiro artista da educação, ou seja, um agente capaz de fazer uso da sua inspiração, sua sabedoria, aptidões e afecto em prol de uma acção educativa de elevado nível.

e) Supervisão científica – Não se limita à observação sistemática da actuação dos agentes educativos e dos sistemas educativos mas submete tais observações ao rigor da análise científico, através de métodos que põem de manifesto as “leis” educacionais, que são assim utilizadas ao serviço da acção educativa.

f) Supervisão democrática – Baseia-se na tradição progressista da educação (contrapondo-se à supervisão autocrática e autoritária), promove o assessoramento vocacional e educacional e procura “o máximo desenvolvimento do professor para atingir a maior eficiência profissional”.


4.3. A função de Fiscalização e suas modalidades

Através da função da Fiscalização propugna-se o controlar em que medidas as normas definidas são cumpridas, agindo-se em consequência. Quer isto dizer que, na função da Fiscalização, a preocupação fundamental é a verificação da conformidade formal entre as normas vigentes e a conduta dos seus agentes, individual ou colectivamente.

A Inspecção, a Averiguação, o Inquérito, a Sindicância e a Acção Disciplinar, que passamos a analisar, brevemente, costumam ser encaradas como modalidades de Fiscalização.

a) Inspecção

Fala-se, aqui da Inspecção em sentido restrito, isto é, de uma das actividades de controlo utilizadas em qualquer serviço e, nomeadamente, nos serviços de educação (não confundir, pois, com o serviço público central do mesmo nome encarregado de organizar e realizar a complexa função de controlo, nas suas diferentes modalidades, acima referidas: supervisão, avaliação, fiscalização …). Nesse sentido restrito, inspecção é uma actividade de controlo que consiste na recolha ou apuramento de factos ocorridos no desempenho dos serviços, para conhecimento superior.

b) Inquérito

O inquérito é um processo destinado a apurar se num serviço foram efectivamente praticados factos de que existe rumor público ou denúncia, qual o seu carácter e respectiva imputação. É, normalmente, realizado mediante prévia decisão do dirigente máximo do respectivo sector de actividade (v.g. o Membro do Governo, em relação aos serviços que integram o respectivo Ministério ou que se encontrem sob sua tutela ou superintendência), sem prejuízo de a lei poder cometer a um dado órgão ou serviço o poder de ordenar inquéritos.

c) Averiguação

A averiguação é, também, um inquérito mas de menor complexidade e formalidade, consistindo em diligências céleres visando a confirmação ou infirmação de indícios de irregularidade ou infracção para a tomada de decisão no sentido da realização ou não de processos disciplinares, de inquérito ou de sindicância.

d) Sindicância

A sindicância, que outrora se chamava devassa, é uma ampla investigação destinada a averiguar como funciona certo serviço e qual o grau de observância da disciplina por parte de todos os seus agentes. Tanto o inquérito como a sindicância, ao concluírem pela prova dos factos e individualização dos respectivos autores, podem dar origem à acção disciplinar (ao processo disciplinar). A competência para ordenar a sindicância é similar à do Inquérito.

e) Acção disciplinar

Encaramos a Acção Disciplinar como o conjunto de competências, actividades e procedimentos dirigidos à efectivação da responsabilidade disciplinar – ou, mais especificamente, como o poder de instauração, instrução e julgamento de processo disciplinar.

Como aprofundámos em outro trabalho[3], por instauração do processo disciplinar deve entender-se o poder atribuído a uma entidade hierarquicamente superior de exigir responsabilidade disciplinar a um funcionário ou agente sobre quem recaem indícios de infracção dos seus deveres profissionais prescritos na lei. Efectiva-se em regra mediante a emissão de um despacho (no qual se integra, geralmente, a nomeação do instrutor do processo). Por instrução do processo disciplinar entende-se a realização de um conjunto de actos de investigação e de obtenção de provas susceptíveis de confirmar ou infirmar os indícios de infracção que levaram à instauração do processo.

O processo disciplinar (que, por seu turno, pode ou não ser precedido de processo de averiguação, inquérito ou sindicância) vai além da recolha preliminar dos factos ou provas (instrução preparatória), devendo dar lugar à instrução contraditória (com a imputação formal ao arguido, através da nota de culpa ou acusação, de comportamentos ou factos ilícitos e respectivo enquadramento legal e sancionatório, para que o mesmo faça uso, querendo, do direito de defesa), antes da elaboração do relatório final, para efeitos de decisão ou julgamento (que pode consistir na aplicação de uma sanção ou na absolvição do arguido, devendo a decisão final ser devidamente fundamentada, de facto e de jure).

4.4. A função de Avaliação

A avaliação é uma função inerente a qualquer sistema de organização social, que estabelece objectivos e metas a atingir. Assim, pela avaliação importa aferir se a operação planeada está a decorrer como previsto e se os objectivos e metas da organização são de facto os pretendidos ou fixados.

A avaliação é uma operação analítico-descritiva e informativa nos meios que emprega, formativa na intenção que lhe está subjacente e independente face à classificação.

É evidente que a avaliação inclui, nas informações que fornece, elementos quantitativos e qualitativos, mas permanece distinta da classificação pela intenção que lhe está subjacente de facilitar e melhorar o desempenho do avaliado através da pertinência e utilidade dessas informações.

Já a classificação tem uma intenção selectiva e procede à seriação dos avaliados, ao atribuir-lhes uma posição numa escala de valores.

Enfim, não há classificação sem avaliação mas o contrário é verdadeiro, posto que pode e, em certas circunstâncias, deve haver avaliação sem que tenha de se lhe seguir qualquer classificação.


4.5. Função de Assessoramento técnico

De acordo com o XIX Congresso de Instrução Pública de Genebra, “o Inspector deve velar pela aplicação das instruções oficiais e, eventualmente, explicar ao professor as modalidade da sua aplicação”.

O Assessoramento técnico consiste, assim, na prestação de apoio ou assessoria para efeitos de melhoria do desempenho dos professores e da performance dos diversos sectores da comunidade escolar ou da instituição educativa. Pode assumir diversas formas (formulação de sugestões de melhoria nos relatórios de acção inspectiva; realização de reuniões de informação; organização de cursos, seminários, palestras e outras acções de formação; emissão de pareceres, etc.).

Não sendo tarefa exclusiva nem, por vezes, predominante da Inspecção Educativa, posto que existem serviços particularmente vocacionados para tal, a função de assessoramento pode ser prestada a pedido das instituições educativas ou sempre que a Inspecção tome conhecimento de aspectos da organização, funcionamento e desempenho dessas instituições que podem ser melhorados com a contribuição técnica da sua equipa de inspectores.

Considerando que, nessa vertente, podem intervir outros serviços, à Inspecção Educativa poderia reservar-se, em especial, o assessoramento no sentido de:

a) Capacitação as instituições educativas no sentido do cumprimento cabal das normas por que se regem (trata-se de uma forma de controlo – o controlo ex-ante, de suma relevância, pois, como sói dizer-se, vale mais prevenir os erros do que corrigi-los);
b) Apoio às instituições educativas na organização e implementação dos seus próprios mecanismos de controlo (controlo interno), contribuindo para que essas organizações possam avaliar e monitorar, por si próprias, o cumprimento das suas funções, passando a Inspecção a desempenhar um papel supletivo ou complementar e a assumir a função de “controlo de controlos”.


4.6. Função de mediador

Quando citámos a resolução do XIX Congresso de Instrução Pública de Genebra, nos termos da qual “o Inspector deve velar pela aplicação das instruções oficiais e, eventualmente, explicar ao professor as modalidade da sua aplicação”, estamos a patentear que o Inspector não se limita a verificar o cumprimento das normas, para informação superior (inspecção tradicional em sentido restrito): ele também pode desempenhar um papel positivo na criação ou melhoria das condições para a implementação cabal das mesmas. Não sendo o controlo da actividade dos agentes educativos um fim em si mesmo, é sumamente importante que se traduza em imputes, em contribuições para o sucesso do serviço educativo prestado.

Por outro lado, ao visitar as escolas, o inspector não só deve preocupar-se com a superação das insuficiências. Tão importante como isso é reconhecer os pontos fortes e os sucessos das escolas e mais importante ainda é contribuir para a disseminação entre as instituições educativas das boas práticas pedagógicas e de gestão, contribuindo, desta forma, para premiar moralmente as escolas que atingem sucessos e criar um ambiente propício à construção da excelência nas escolas em geral.

Assim, através da sua função mediadora, o inspector contribui para superar a imagem negativa legada pela inspecção tradicional e reconciliar-se com as instituições educativas (para cujo sucesso contribui), sem que com isso deixe de ser um profissional comprometido com a qualidade do serviço educativo almejado pela Administração Educativa.

Algumas das funções atribuídas à Inspecção na actualidade (v.g. função mediadora, de assessoramento) parecem ficar comprometidas quando o Inspector realiza tarefas menos simpáticas em relação a agentes indiciados de incumprimento das suas funções e, por isso, passíveis de acção disciplinar.

Em Cabo Verde, esta vertente da acção inspectiva resulta mitigada devido a uma maior autonomia disciplinar atribuída às escolas, que passam a ser detentoras do poder de instaurar os processos disciplinares e bem assim o de instruir grande número desses processos[4], ainda que as sanções mais graves[5] sejam reservadas às entidades hierarquicamente superiores.

Porém, mesmo quando exerce a acção disciplinar, a Inspecção coloca-se ao serviço das boas causas e não da repressão pura e simples. Na verdade, averiguações, inquéritos, sindicâncias e até mesmo processos disciplinares não constituem formas de perseguição mas de procura da verdade e da justiça, razão por que não devem temer tais acções inspectivas os agentes educativos que procuram desempenhar, com exemplaridade, as suas funções.

Assim, a mediação que se estabelece nestes momentos críticos pode ser bem aceite se encarada como uma forma de contribuir para mais e melhor qualidade nas escolas.


5. Características essenciais da acção inspectiva na actualidade

Não obstante a diversidade de modalidades de acção inspectiva, esta deve pautar-se por um conjunto de princípios que enformam o paradigma actual de Inspecção Educativa e que o inspector, enquanto profissional da educação, deve ter sempre presente na sua actividade. Passamos a apresentar as características mais relevantes da acção inspectiva educativa que se propugna:

a) A acção inspectiva deve basear-se na legalidade - Num Estado de Direito, todos devem sujeitar-se à lei, não podendo o Inspector exigir o seu cumprimento enquanto ele próprio se exime da sua observância;

b) A acção inspectiva deve ser científica, como condição para a sua credibilidade e aceitação;

c) A acção inspectiva deve ser democrática – Num Estado Democrático, a educação deve ser uma prática da liberdade e da democracia, não podendo a acção inspectiva utilizar métodos e práticas que coarctem a liberdade, instaurem o medo e o autoritarismo;

d) A acção inspectiva deve ser feita de forma proporcionada, equilibrada e equitativa, de modo a que todos os segmentos do sistema educativo possam beneficiar-se dela;

e) A acção inspectiva deve ser oportuna, pertinente e de natureza utilitária, devendo evitar-se intervenções destituídas de relevância para o desenvolvimento efectivo do sistema (e do serviço) educativo;

f) A acção inspectiva deve ser respeitadora das diferenças e aglutinadora das sinergias no seio da comunidade educativa, impulsionando a iniciativa e a criatividade dos agentes educativos;

g) A acção inspectiva deve reconhecer os méritos para mais facilmente superar os defeitos, sem cair nem no paternalismo nem no autoritarismo;

h) A acção inspectiva deve realizar-se mais com acções do que com palavras, sem que se traduza num pragmatismo rotineiro, mas antes propugnado uma abordagem estratégica da educação, aliada a uma pedagogia de projectos que se interligam de modo a potenciar sinergias em prol da construção de níveis cada vez mais elevados de conhecimentos e competências;

i) A acção inspectiva deve conciliar a abordagem sistémica com a abordagem diferenciada, isto é, deve estar em função de todo o sistema educativo (através de métodos científicos de intervenção), sem descurar a necessidade de uma atenção particular àqueles (agentes e instituições) que mais necessitem de sua contribuição técnica e profissional;

j) A acção inspectiva deve estar próxima das escolas, sem se confundir com elas, ou seja, a Inspecção de proximidade não deve perder de vista a necessidade de um certo distanciamento crítico, necessário a uma abordagem objectiva das questões educacionais;

k) A acção inspectiva deve conciliar a polivalência com a especialização, a abordagem global com a especializada. Assim, a polivalência do inspector deve permitir-lhe agir de modo a proporcionar o desenvolvimento global do sistema educativa, mas deve ter em conta a complexidade crescente da educação, que exige dele um nível cada vez maior de especialização, para poder ajudar a construir respostas mais adequadas às novas situações educativas;

l) A acção inspectiva deve desenvolver-se num quadro de absoluto profissionalismo, que não exclui a utilização de formas afáveis de relacionamento com os agentes educativos, de modo a suscitar confiança e cooperação;

m) A acção inspectiva deve ser organizada e planificada, sem prejuízo da flexibilidade necessária, para corresponder a novas demandas e exigências do processo educativo;

n) A acção inspectiva deve ser avaliada permanentemente, de modo a introduzir formas e paradigmas de intervenção cada vez mais eficientes e eficazes;

o) A acção inspectiva deve ser informal até onde seja possível, tendo em conta que as relações informais são susceptíveis de propiciar ao inspector melhor integração no ambiente em que actua, assim como maior acesso a informações relevantes, sem descurar a necessidade de as evidências do trabalho inspectivo serem devidamente formalizadas no essencial, para que possam ter validade técnica e legal;

p) A acção inspectiva deve conjugar o trabalho individual com o de equipa, em função dos contextos, das matérias de que se trate e das normas aplicáveis, sendo, entretanto, de se relevar, sempre, o contributo de todos e de cada um dos inspectores para a construção de uma boa imagem da instituição inspectiva.


Praia, Março de 2005
Bartolomeu L. Varela
Inspector Superior de Educação


http://unicv.academia.edu/BartolomeuVarela/Papers/569563/Inspeccao_Educativa_paradigmas_modalidades_e_caracteristicas_de_actuacao
[1] Cf. “Paradigmas ou modelos de Inspecção Educativa – Maio de 2006.
[2] As funções de controlo, fiscalização, supervisão e avaliação são frequentemente utilizadas como sinónimas, mas a primeira, como vimos, deve ser encarada de forma mais abrangente, compreendendo as demais. Algum comentário merece a relação entre a supervisão e a avaliação. Na verdade, e sem se confundir com função de direcção, a supervisão está próxima ou integra, amiúde, a actividade de direcção. Assim, a avaliação pode ser encarada como uma componente da função de supervisão, embora possa ter lugar sem ser no quadro de uma actividade específica de supervisão. Com a avaliação procura-se obter elementos de apreciação e medida sobre os processos e os resultados, expressando-se essa apreciação em termos de informações sobre a conformidade ou não com as normas, ou seja, informações pertinentes susceptíveis de ajudar a melhorar o desempenho.

[3] Manual de Acção Disciplinar, UNIPIAGET, 2005.
[4] Fica a cargo da IGE a instrução dos processos em que os docentes da educação pré-escolar, do ensino básico e secundário e da alfabetização e educação de adultos incorram em infracções passíveis de penalização com inactividade, aposentação compulsiva e demissão.
[5] Só a sanção de censura pode ser aplicada pela escola.

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