A formação dos professores nem sempre foi mantida com coerência


Com a devida vénia, publico, a seguir, a primeira parte da entrevista concedida à jornalista Arminda Barros, da Inforpress (agência de Notícias de Cabo Verde), por ocasião do dia do Professor cabo-verdiano (23 de Abril):

Bartolomeu Varela: A formação dos professores nem sempre foi mantida com coerência

Cabo Verde vem progressivamente promovendo a massificação do ensino com aumento considerável do número de professores com um conjunto de direitos e regalias, mas a aposta na sua formação nem sempre foi mantida com coerência, defendeu Bartolomeu Varela.


Em entrevista à Inforpress a propósito do Dia do Professor Cabo-verdiano, que se assinala a 23 de Abril, este ‘eterno’ professor, com mais de 40 anos dedicados ao ensino, disse que o país continua com um corpo docente no ensino primário composto, na sua grande maioria, por professores que não possuem curso superior.
Apenas 9 a 10% de professores desse nível de ensino possuem curso superior, ainda que não confira grau de licenciatura, o que é “muito pouco”, confirmou Bartolomeu Varela, para lembrar que a lei de bases do sistema educativo de 2010, que veio a exigir como requisito mínimo para ser docente o bacharelato, “ficou praticamente como uma letra morta”.

Isso porque não se apostou maciçamente na formação dos professores desse nível, criticou, ao realçar que os ganhos conseguidos no sector da educação poderiam ser maiores se a aposta na sua formação em exercício “fosse mais consequente e mais assumida de forma regular ao longo dos tempos”.
Apesar de reconhecer como positivo o facto de duas instituições públicas assumirem a formação de professores, a Uni-CV e o actual Instituto Universitário de Educação (IUE), podendo instituições privadas também intervir nesse domínio, Bartolomeu Varela considerou que isso acaba por criar outros problemas.
O mais importante, a seu ver, é o fraco aproveitamento dos recursos humanos, do potencial científico existente a nível das duas instituições para uma estratégia de formação de professores mais bem conseguida e que pudesse ser acessível a todos e nas diversas ilhas.

Na visão do professor, por estarem sedeadas na Praia, no Mindelo e até na Assomada, isso cria grandes dificuldades aos professores das outras ilhas que não podem se deslocar a esses centros urbanos, pelo que a formação à distância se impõem como uma grande prioridade, devendo-se investir em recursos, novas tecnologias de informação, formação de professores de ensino superior e adequado a esse nível, etc.
Bartolomeu Varela lamentou, entretanto, as reforma "decretadas” numa perspectiva de cima para baixo e sem auscultação dos professores, porquanto criam uma situação delicada, porque têm dificuldade em compreender o sentido e alcance das mesmas.
Aliás, as reformas têm um grande défice congénito, que é não estarem devidamente explicitadas, adiantou o professor, salientando que “não existe um documento público, do Estado, a explicitar o sentido e o alcance das reformas, até mesmo o conceito de reforma que se quer implantar no país”, o que cria muitas incertezas, dúvidas e vários problemas na sua implementação.
Destacou, contudo, que é graças aos professores que existem, “com défices consideráveis de qualificação e que se repercutem também na qualidade da educação, em relação à qual a sociedade tem estado muito crítica”, que o sistema educativo no período pós-independência evoluiu, contribuindo para uma mobilidade social ascendente, para um avanço considerável no combate à pobreza e na melhoria das condições de vida das pessoas e para a redução do analfabetismo a um nível residual.
Espera que as negociações em curso sobre o estatuto dos professores e outras reivindicações se traduzam em melhorias das condições de trabalho, de desenvolvimento profissional e de remuneração.
“Sem professores qualificados e motivados não temos um sistema educativo de alta qualidade, susceptível de nos fazer competir com outros sistemas educativos, até do mundo ocidental”, argumentou.
Bartolomeu Varela é um reformado "activo" da Uni-CV que, actualmente, trabalha ‘pro bono’ para esta universidade, lecionando, orientando alunos de pós-graduação e fazendo investigação.

Começou como professor do ensino básico, na Brava, ainda no período colonial com 18 anos, depois de concluir uma formação de quatro anos na escola de habilitação de professores, mas também foi professor do ensino secundário público e privado.

Ajudou a criar a Uni-CV, onde foi também administrador-geral, tendo sempre dado o seu contributo na elaboração da legislação nacional em matéria de educação, formação e ensino superior.
Dentre os vários cargos que desempenhou, merecem menção os de inspector da educação e de secretário-geral do Ministério da Educação.
AB
Inforpress/

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