domingo, 3 de agosto de 2008

Nem tudo o que é Ensino Superior é Universidade!

Li, há dias, num dos semanários da capital cabo-verdiana, uma reportagem em que é dada a conhecer ao público alguma celeuma criada (diga-se de passagem, intempestivamente) a propósito de uma proposta de estatuto de pessoal docente da Universidade de Cabo Verde, lançada à discussão pela reitoria da mesma universidade. Chamaram-me a atenção algumas afirmações bombásticas de um dos docentes entrevistados, para quem a qualidade, um dos valores que a proposta de diploma propugna, é “uma falsa questão” pois, “se a Uni-CV hoje existe é graças ao ISE e ao ISECMAR” e que “em todo o processo de construção da Uni-CV não há nada de novo, tudo foi feito até aqui pelos docentes do ISE” (sic).

Todos os que acompanham, com interesse, a evolução da educação em Cabo Verde reconhecem o contributo do ISE para o desenvolvimento do ensino superior público (e não só) neste país. Tampouco ignoram o papel desempenhado, nesse sentido, por outros institutos públicos de ensino superior, assim como o potencial humano, científico, tecnológico e logístico que os diversos institutos, sem excepção, encerram, razão por que os mesmos se constituem em unidades associadas da universidade pública, nos termos da lei.

Mas o docente em questão, porventura involuntariamente, confunde alguma opinião pública menos esclarecida quando afirma que, em todo o processo de implementação da universidade pública, não há nada de novo, atribuindo, em exclusivo, ao ISE os louros de tudo quanto foi feito até aqui. Para esse docente, além do trabalho do ISE (que reconheço como meritório), nada existe, afirmação infundada e que, levada às últimas consequências, significaria que a Reitoria, o Governo, os demais institutos, as muitas universidades que colaboram com a Uni-CV nada têm feito nesse processo.

Assim, pergunto:
- Não teve importância a medida legislativa que transformou o ISE de uma instituição que se limitava a formar professores do ensino secundário para uma instituição de formação de quadros superiores em diversas áreas de conhecimento?
- Os trabalhos de desenvolvimento curricular dos novos cursos e de reconfiguração curricular dos cursos que vinham sendo ministrados não têm valor nenhum?
- Não constitui nada de novo a criação de mais de uma dezena de cursos de licenciatura e diversos cursos de mestrado em áreas de interesse relevante para o desenvolvimento do país, nomeadamente a nível das ciências e tecnologias básicas e das engenharias?
- Não significa nada a vinda a Cabo Verde, com frequência, de docentes altamente qualificados, de várias universidades parceiras, para a leccionação nos cursos de mestrado?
- Que dizer a propósito das deslocações frequentes de professores universitários de Portugal, Brasil e outros países para o suprimento de lacunas existentes a nível do corpo docente do ISE e outros institutos? Não têm relevância?
- A melhoria das condições de leccionação, designadamente com o apetrechamento de laboratórios e a instalação de equipamentos informáticos, nada significa?
- Não valem para nada os estudos estratégicos sobre o desenvolvimento da universidade pública, as propostas de diplomas legais elaboradas pela reitoria da Uni-CV (incluindo o estatuto de pessoal docente submetido à discussão), o orçamento integrado da Universidade e os diversos projectos de investimento no ensino superior público?
- Os programas de pós-graduação (mestrado e doutoramento) em preparação de modo a capacitar docentes em exercício nos institutos não têm relevância?

Bem, fiquemos por estas questões, em relação às quais, estou convicto, dificilmente se responderá de forma negativa (ou seja, que isso tudo não é “nada de novo”), sob pena de se cair no ridículo.
Estamos, todavia, todos, de acordo que é preciso fazer-se muito mais, desde que todos e cada um (docentes, trabalhadores, estudantes, dirigentes universitários, governantes) façam a sua parte, cumprindo o papel que lhes cabe na autêntica epopeia que é construir no chão das ilhas uma universidade de excelência, à nossa dimensão e de acordo com as nossas ambições de progresso!

Mas o que me preocupa, sobremaneira, é a confusão que parece existir, nalguns círculos, entre ensino superior e universidade. Convenhamos que não foi à toa que se criou uma universidade pública em Cabo Verde. Além das vantagens e do efeito sinergético decorrentes da integração, numa só instituição (a Uni-CV) do potencial existente a nível de cada um dos institutos, a universidade representa um salto qualitativo no processo de qualificação dos recursos humanos de que o país necessita para o seu desenvolvimento. Se toda a universidade é um estabelecimento de ensino superior, nem todo o estabelecimento de ensino superior constitui uma universidade.

Efectivamente, a universidade não se define apenas pela tendência em abarcar as diversas áreas de conhecimento, através de unidades orgânicas próprias e especializadas. A universidade vale, em especial, pela excelência das actividades académicas, que devem propiciar condições para o desenvolvimento das competências científicas, tecnológicas, culturais e profissionais de que uma sociedade precisa para atingir elevados padrões de progresso, num quadro em que a aprendizagem se desenvolve através da ligação do ensino à investigação e as competências adquiridas não ficam circunscritas aos muros da instituição de ensino mas tendem a ser utilizadas para o desenvolvimento da capacidade empreendedora da sociedade cabo-verdiana.
Em suma, a universidade, mormente uma universidade moderna, estriba-se numa tríade em que o ensino, a investigação e a extensão se conjugam para transformar a academia num instrumento de promoção de competências para a vida, de valorização dos indivíduos e de transformação social.

Pela sua missão e pela responsabilidade social que lhe é inerente, a universidade é um projecto de grande alcance estratégico, que é implementado no quadro de um processo em que se torna mister uma esclarecida visão de futuro, a par de acções consequentes e sistemáticas destinadas a materializá-la no quotidiano. Posto que a universidade de excelência é para um futuro que começa hoje!
Bartolomeu Varela

domingo, 6 de abril de 2008

Universidade de Cabo Verde: Modelos, visões e perspectivas contrastantes


Há dias, cruzei-me com um ex-membro do Governo responsável pelo sector da educação, com quem troquei breves palavras de simpatia que, logo, me pareceram azedar, da parte dele, quando soube que eu, enquanto Administrador-Geral, intregava a equipa dirigente da Universidade de Cabo Verde. "Ah! O que vocês estão a fazer não vale; esse modelo de universidade não vale, vai acabar com o ensino superior privado (sic!); a criação da Universidade, com a extinção dos actuais institutos públicos de ensino superior, é uma grande asneira! Vamos acabar com este modelo de universidade".

Face ao manancial de afirmações bombásticas e ameaçadoras do meu interlocutor, limitei-me a perguntar-lhe, de forma serena: "Mas você conhece o diploma legal que cria a Uni-CV? Conhece os princípios ou documentos estruturantes do projecto da universidade pública?"

Respondeu que não, ao que retorqui: "Talvez, se os conhecesse, veria que o que se está a fazer é a construção de uma universidade de excelência, captando-se, para o efeito, o potencial científico, tecnológico, humano, patrimonial e logísitico existente a nível dos actuais institutos públicos de ensino superior, os quais, transitoriamente (durante dois anos, em princípio) integram o Conselho da Universidade, até que se criem unidades próprias (departamentos, escolas superores, centros de investigação, etc), altura em que tais institutos se extinguirão, emergindo então"...

O ex-governante não me deixou prosseguir: "Ah! Isso não vale! ... "Eu vou acabar com isso quando... se eu for Poder". Brinquei: "Não vai conseguir!" E acrescentei: "Mas se chegar ao poder, terá pela frente uma universidade pública que, pela qualidade e relevância das suas actividades académicas, só merecerá apoio governamental, tanto mais que ..."

Interrompeu-me, novamente: "Eu vou acabar com isso, é uma asneira!". Então propus-lhe: "Porque não marcamos um encontro, os dois, para pormos na mesa os nossos modelos, visões e perspectivas de desenvolvimento da universidade pública e, desta arte, analisarmos, serenamente, a sua consistência e, quem sabe, desfazermos preconceitos, encontrarmos pontos de afinidades e contributos válidos"... Sou, novamente, interrompido: "não vale a pena, isso não serve; eu já disse isso ao Reitor. Eu vou acabar com isso!". Bem, não dava para continuar a conversa, até porque, na altura, tínhamos os nossos afazeres, pelo que, afavelmente, nos despedimos.

Fiquei com um nó na garganta, mas, sobretudo, com pena: há um ex-membro do Governo responsável pela educação que, ávido de voltar ao posto governamental, prefere ficar com os seus preconceitos e, com base neles, demarcar-se de algo que nem sequer conhece; tampouco pretende conhecer e discutir os princípios enformadores da estratégia de desenvolvimento da universidade pública, porventura com receio de constatar que não possui melhor alternativa que aquela que se está a construir; apenas diz e repete, como nessa história do anarquista típico: "não me importa o que estão a fazer, mas sou contra e, quando eu for poder, vou acabar com isso"!

Confio, todavia, que os políticos cabo-verdianos, na sua esmagadora maioria, da situação e da oposição, entendem que a universidade pública deve estar resguardada dos efeitos maléficos das estratégias de luta, a todo o custo, pelo poder. Com efeito, o interesse nacional exige que a universidade pública não seja mera caixa de ressonância dos interesses específicos dos partidos políticos, sejam eles do governo ou que aspiram a governar; que, nos seus projectos de organização e gestão e nas actividades de ensino, investigação e extensão que desenvolve, a universidade integre e potencie a expressão plural das opiniões e perspectivas de desenvolvimento científico, tecnológico e socio-económico, submetendo-as a uma análise que evidencie o que realmente serve a causa do progresso sustentável da nação cabo-verdiana.

Bartolomeu Varela

segunda-feira, 17 de março de 2008

No Dia do Pai, fala o filho!

Tomei parte, há dois dias, na festa comemorativa do Dia do Pai, organizada pela Escola do Ensino Básico “Eugénio Tavares”, frequentada pelo meu filho mais novo, o Márcio. Foi uma tarde extraordinária, durante a qual os pais dos alunos da escola, com quatro dias de antecedência em relação ao dia de São José, foram homenageados através de um programa de actividades que tinha de tudo um pouco: brincadeiras e jogos improvisados, com a participação dos filhos, pais, mães e outros convivas; cerimonial de homenagem ao pai, em que os filhos impuseram fitas e entregaram prendas aos respectivos pais; sessão de filme seguida de debate; lanche ao sabor de coisas da terra, como o saboroso cuscuz com leite, etc.


O filme “Ser e Ter” reportava aspectos interessantes da obra educativa desenvolvida algures numa certa aldeia de certo país. Pleno de ensinamentos importantes sobre a ciência e a arte de educar, o filme foi seguido de um debate, animado pela pedagoga Filomena, convidada para o evento.

Não me refiro aqui às sábias palavras da Filomena, que interpelou a assistência sobre o que é “Ser” pai e o que este deve “Ter” para o poder ser verdadeiramente. Permitam-me que partilhe convosco parte das opiniões expendidas, num português correcto, pela segunda figura do debate, o meu filho Márcio, de 6 anos: “o pai deve ter amor”… “deve ter carinho para o filho”, mas este “deve ser obediente” para com o pai.

Não que me surpreendesse a capacidade de reflexão do meu filho “caçula”! As palavras que ele proferiu são simples e até parecem banais. Mas será que todos os pais avaliam, na sua justa medida, o alcance do “amor” e do “carinho” na educação dos filhos? E que dizer da dimensão axiológica da educação que o Márcio expressou ao trazer para o debate o dever de “obediência” aos pais, muitas vezes esquecido ou relegado a um plano secundário?

Enfim, os filhos devem ser escutados a sério, não acham? Não apenas no Dia do Pai, mas todos os dias.

Bartolomeu

domingo, 6 de janeiro de 2008

A Gestão Segundo Bill Gates


Li, há poucos meses, o livro de Dês Dearlove, que leva o título em epígrafe. Porque o achei interessante, decidi redigir este texto, na tentativa de resumir a obra. Porque o faço? Por entender que os gestores de sucesso devem começar a ser formados na escola, ainda que seja a “escola da vida”, em cada contexto, a "moldar” o perfil desses gestores, seguindo a tese muito em voga, hoje em dia, da “formação ao longo da vida”.

Personalidade fenomenal e mesmo genial da economia moderna, Bill Gates é, também, o homem mais rico do mundo e, sobretudo, o maior dos magnatas tecno-sábios. Efectivamente, destaca-se na história recente do mundo da tecnologia e da economia não apenas pela sua imensa riqueza, mas especialmente pelo seu brilhantismo técnico, uma notável visão para os negócios, um obsessivo desejo e uma enorme capacidade de vencer. Tem marcado a diferença por um estilo de liderança radicalmente diferente de tudo o que o mundo empresarial conheceu até agora. O que Bill Gates oferece aos líderes empresariais do futuro é um novo modelo que reúne características e habilidades muito mais adequadas aos desafios do século XXI.

Se nas escolas de Economia e Gestão não abundam pistas sobre as técnicas de gestão e de liderança de Gates, encontramos, no entanto, trabalhos que ajudam a entrar por dentro dos segredos do sucesso do chamado gigante da Microsoft Corporation. Tal é o caso do livro “A Gestão Segundo Bill Gates”, de Des Dearlove, que não só revela os segredos do notável êxito de Gates como também resume as lições universais e identifica as estratégias que podem ser aplicadas em qualquer outro negócio ou carreira. Passo a apresentar os capítulos deste livro, nos quais o seu autor tenta desvendar os 10 segredos do sucesso do líder mais rico do mundo:

Um: “Esteja no lugar certo no momento certo”. Não se trata apenas de um “golpe de sorte” o que aconteceu com Bill Gates: foram necessários mais de seis meses de árduo trabalho para vislumbrar a importância do negócio com a IBM a partir do qual conseguiu mudar a história da informática a nível do utilizador individual. É preciso, com o trabalho, maximizar as hipóteses de “ter” sorte. E, uma vez bafejado pela sorte, há que mantê-la, não a deixar escapar, o que implica estar e agir na hora certa. Quantas oportunidades não são perdidas porque não se sabe procurar, aproveitar ou manter a sorte (que pode não bater várias vezes à mesma porta)?

Dois: “Apaixone-se pela tecnologia”. O continuado êxito da Microsoft deveu-se grandemente ao conhecimento tecnológico de Bill Gates, que mantém o controlo sobre as decisões-chave neste domínio, prevendo mais claramente que os seus concorrentes a direcção futura da tecnologia e, deste modo, ganhando capacidade competitiva par liderar nessa direcção.

Três: “Não faça prisioneiros”. Implacável e feroz na concorrência, Bill Gates é um negociador duro e sem contemplações, um mestre em vencer os adversários. Podendo ser apresentadas inúmeras técnicas para vencer a concorrência, o certo é que só podem considerar-se válidas aquelas que ajudem efectivamente a a fazer melhor que os concorrentes, produzindo bens ou prestando serviços que melhor satisfaçam as expctativas e necessidades dos clientes. Bill Gates têm vencido pela qualidade superior dos produtos que apresenta no mercado.

Quatro: “Contrate sempre pessoas muito inteligentes”. Desde o início, Bill Gates apostou em ter sempre na empresa as melhores cabeças, tendo recrutado muitos dos mais brilhantes estudantes saídos das universidades, atraídos pela perspectiva de trabalhar e procurar o sucesso integrando-se numa equipa dos melhores. E para manter os melhores, Bill Gates não paga os mais elevados salários. Em contrapartida, através da possibilidade que dá aos seus trabalhadores de adquirirem acções da bem sucedida Microsoft, a empresa de Bill Gates tem feito mais milionários que qualquer outra no mundo.

Cinco: “Aprenda a sobreviver”. Para tanto, Bill Gates criou uma máquina de aprendizagem extraordinária, no entendimento de que é pela aprendizagem que se evita a repetição ou mesmo a comissão de um erro. A própria sede da Microsoft é organizada como um verdadeiro campus universitário, onde estão criadas as condições para que os trabalhadores invistam na sua aprendizagem como condição de sucesso da empresa e de si próprios.

Seis: “Não espere agradecimentos”. Receber elogios do concorrente pode ser um mau sinal (sinal de hipocrisia, de que as coisas podem não estar a andar bem), pois é mais comum que a fama atraia “infâmias” do adversário. Na verdade, o sucesso provoca “inimigos”, que acabam por constituir um “incentivo” a fazer melhor, para se manter na liderança.

Sete: “Assuma uma postura visionária”. Uma lúcida visão de futuro, assente num profundo entendimento da tecnologia e da maneira peculiar de sintetizar os dados, tem dado a Bill Gates uma aptidão especial para identificar e localizar as tendências futuras, definir e conduzir a estratégia da Microsoft.

Oito: “Cubra todos os campos”. A capacidade para gerir um grande número de projectos simultaneamente tem sido um dos segredos do sucesso de Bill Gates, que é bem o exemplo do homem multifuncional, capaz de explorar novos mercados e novas aplicações de software, sem deixar escapar a próxima “grande aposta”.

Nove: “Construa unidades de negócio pequenas como bytes”. Bill Gates procura e consegue manter o ambiente de optimização empresarial através da subdivisão da Microsoft em unidades mais pequenas, o que sucede com frequência e lhe permite assegurar a pulso o controlo da empresa, aprimorar a comunicação interna, promover a eficiência e a eficácia de cada uma das unidades e, em consequência, do conjunto.

Dez: “Nunca, mas nunca mesmo, tire os olhos da bola”. Bill Gates costuma dizer que é dominado pelo “receio latente” de que pode perder a sua próxima grande ocasião. Para que tal não aconteça, desenvolve a capacidade de antevisão, tomando em devido tempo as decisões necessárias para que não caia nos erros de outras empresas da área dos computadores, como a IBM e a Apple.
Bartolomeu Varela
Fonte: A Gestão segundo Bill Gates, de Des Dearlove. 1ª edição: Fevereiro de 2007, Casa das Letras, Rua Bento Jesus Caraças, 17, 1495-686 Cruz Quebrada- Portugal .

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Pressupostos e vias de integração do Instituto Pedagógico na Universidade de Cabo Verde *

1. Com mais este Fórum, denominado, desta feita, “Fórum Pensar o Instituto Pedagógico”, que decorre sob o lema “Melhorar para Servir”, o IP evidencia que, mais do que uma organização com provas dadas de sucesso na formação e capacitação de professores e outros profissionais do ensino básico, é uma instituição sólida e madura, capaz de, em cada contexto, reavaliar a sua missão e procurar as vias e formas mais adequadas para corresponder aos seus fins, de modo coerente e com uma visão estratégica – uma visão estratégica que procura explicitar, através de um intenso diálogo interno e com os parceiros, tendo em devida conta os anseios e demandas da sociedade. Nisso se distingue, também, uma "instituição qualquer" de uma instituição de excelência…

2. A possibilidade de integração do Instituto Pedagógico (IP) na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) chegou a ser objecto de reiterados pronunciamentos públicos por parte do Ministério da Educação e, no quadro dos preparativos para a criação da Uni-CV, foi encarada favoravelmente, tendo em conta que, à luz de diversos pressupostos ou critérios de análise e avaliação, o IP sempre se apresentou como uma mais-valia no processo de construção da universidade pública.

Vejamos, sucintamente, esses pressupostos:

a) Pressupostos científico-técnicos – O IP possui um substrato científico e técnico invejável, representado pelo seu capital humano e pela rede de parcerias que mobiliza nos planos nacional e internaciona;l

b) Pressupostos económico-financeiros – Além do seu orçamento privativo, o IP tem um mercado potencial que lhe permite ser sustentável económica e financeiramente;

c) Pressupostos de ordem logística e material – O IP possui instalações que poderiam servir de suporte ao desenvolvimento da estratégia de uma universidade em rede e acessível à sociedade cabo-verdiana;

d) Pressupostos sociais – Temos uma sociedade que demanda mais e melhor ensino básico, como suporte para o desenvolvimento sustentável e para o exercício da cidadania;

b) Pressupostos políticos – Ao que parece, existe vontade política no sentido de se apostar no desenvolvimento institucional do IP. Para se alcançar esse desiderato, uma das vias por excelência será a integração do IP no projecto da universidade pública;

Pressupostos jurídicos - A partir dos pressupostos anteriores, é possível dar corpo às premissas de ordem jurídica, de modo a viabilizar-se a integração ou associação do IP à Uni-CV.

3. Com a criação efectiva da Uni-CV, foi estabelecido um figurino jurídico de transição em que os institutos públicos de ensino superior sob a superintendência do membro do Governo responsável pela educação passam, automaticamente, e sem quaisquer formalidades, a constituir-se como unidades associadas da Uni-CV. Tal figurino está explicitado nº 1 do artº 50º, no artº 51º e na alínea c) do nº 1 do artº 52º dos Estatutos da Uni-CV, aprovados pelo Decreto-Lei nº 53/2006, de 20 de Novembro, ao abrigo dos quais o ISE e o ISECMAR se constituíram em unidades associadas da Uni-CV, com as seguintes particularidades:

- Os respectivos presidentes são membros do Conselho da Uni-CV no período de transição;
- A criação dos novos cursos, o provimento e o desenvolvimento profissional do pessoal em regime de carreira, a construção de infra-estruturas e a realização de investimentos são feitos no quadro da Uni-CV;
- Os actos de gestão praticados nos termos acabados de referir são feitos por despacho conjunto do Reitor e dos dirigentes máximos desses institutos.

4. Ora, apesar de ser um instituto público de ensino/formação sob a superintendência do membro do Governo responsável pela educação, o IP não pôde associar-se à Uni-CV nos mesmos termos que o ISE e o ISECMAR, em virtude de não ser um instituto do ensino superior.

5. Esclareçamos melhor o figurino jurídico do IP, para melhor compreensão das vias pelas quais deve equacionar-se o desenvolvimento institucional do IP, particularmente no que concerne à actualização da sua missão:

5.1- A Lei de Bases do Sistema Educativo (lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro, na redacção dada pela Lei nº 113/V/99, de 18 de Outubro), estabelece, no nº 2 do seu artº 64º, que “a formação inicial de educadores de infância e de professores do ensino básico será feita em instituições próprias do ensino médio”, ao contrário do que preconiza em relação aos docentes do ensino secundário (geral, técnico e artístico), os quais são formados em instituições próprias do ensino superior (nºs 3 e 4 do citado artº 64º).

5.2- Em conformidade com a LBSE, o Estatuto Orgânico do IP, aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº 12/94, de 29 de Dezembro), define este instituto como um “estabelecimento de formação de nível médio (cf. artº 1º), atribuindo-lhe a missão de “promover a formação de profissionais de educação para o ensino básico com elevado nível de preparação nos aspectos científico, pedagógico, técnico, cultural e pessoal” (cf. alínea a) do artº 2º). NB Esta missão interpela à reflexão sobre o risco de esgotamento parcial (a prazo não longínquo) da capacidade de resposta do IP, em face da complexidade da formação de docentes para uma escolaridade básica que se generaliza e se quer de maior qualidade, face às exigências do exercício da cidadania e da integração na vida activa, na perspectiva da realização pessoal profissional e social dos cidadãos cabo-verdianos.

6. Ora, mantendo-se inalterado o status jurídico do IP, não podia este associar-se à Uni-CV, no período de transição a que se referem os Estatutos da Uni-CV (período de dois anos, prorrogável uma só vez) nos mesmos termos que o ISE e o ISECMAR, enquanto institutos públicos de ensino superior sob a superintendência do membro do Governo responsável pela educação.

7. Definido o problema (óbice legal de um instituto público de formação de docentes do ensino básico se constituir em estabelecimento de ensino superior), a solução do problema passa, obviamente, pela revisão do quadro legal vigente, de modo a superar-se o obstáculo.

8. Assim, caso se queira que o IP se associe à Uni-CV, nos mesmos termos que o ISE e o ISECMAR, já no período de transição da Uni-CV, é mister que, no plano jurídico, se tomem duas medidas, a saber:

8.1.Revisão do nº 2 do artº 64º da LBSE, de modo a se permitir que a “formação inicial de educadores de infância e de professores do ensino básico será feita em instituições próprias do ensino superior” ou, em alternativa, “em instituições próprias do ensino médio ou superior”. Esta alternativa (formar profissionais de ensino básico em instituições de nível médio ou superior) afigura-se engenhosa e de uma plasticidade tal que permite ao Estado deixar em aberto a possibilidade de, a par de escolas ou instituições de nível superior, haver instituições de nível médio a ministrar formação de profissionais para a educação básica. Na verdade, parece razoável que, num contexto temporal de transição, docentes e outros profissionais de educação básica afectos a determinado nível de escolaridade básica (por exemplo, do 1º ao 6º ano) continuem a ser formados em instituições de nível médio, enquanto que os que exercem a outro nível da escolaridade obrigatória (por exemplo, o denominado tronco comum do actual ensino secundário, que deverá generalizar-se, integrando a chamada escolaridade obrigatória de 8 anos) sejam formados em estabelecimento de nível superior. Este cenário alternativo de revisão da LBSE pode levar ou não à alteração do actual figurino do IP, tudo dependendo da opção política que prevalecer.

8.2.Revisão do Estatuto Orgânico do IP, aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº 12/94, de 29 de Dezembro, no sentido de este instituto passar a definir-se como “estabelecimento de nível superior”. Note-se que esta alteração de figurino jurídico, ao possibilitar que o IP se integre na Uni-CV, como unidade associada, nos mesmos termos que o ISE e o ISECMAR, não significa, necessariamente, que o IP deixe de formar professores para os diversos níveis do ensino básico, com a possibilidade de atribuir diplomas conferentes de graus de nível superior e bem assim de diplomas não conferentes de graus, como, aliás, é frequente encontrar-se em educação comparada (NOTA: a Uni-CV, sendo uma instituição de ensino superior atribui diplomas ou certificados não conferentes de graus académicos). Certo é, todavia, que a revisão do Estatuto Orgânico do IP nos moldes referidos não impede que se opte pela existência de escolas públicas ou privadas de nível médio para a formação de professores e outros profissionais para o ensino básico.

9. Em alternativa às medidas assinaladas no ponto anterior, existe ainda a possibilidade de revisão pontual dos Estatutos da Uni-CV, nos seus artigos 50º a 52º, no sentido de se permitir que sejam unidades associadas da universidade os “institutos públicos de educação ou ensino que se encontram sob a superintendência do membro do governo responsável pela educação”.

Desta forma, o IP teria, em relação à Uni-CV, o mesmo status jurídico do ISE e do ISECMAR. Esta alternativa estaria em conformidade com a opção estratégica da Uni-CV em tirar partido das potencialidades existentes nesses institutos (e não só) para se transformar, cada vez mais, numa universidade em rede, acessível aos cidadãos dos diversos pontos do país (e não só). Por outro lado, permitiria optimizar as condições para o desenvolvimento das chamadas “formações pós-secundárias curtas”, área em que o IP já detém um reconhecido potencial.

De notar que esta alternativa não violaria a LBSE, na qual se estabelece que a formação de docentes e outros profissionais do ensino básico se realiza em instituições de nível médio. Efectivamente, a Uni-CV pode criar unidades de ensino (nomeadamente escolas) de diversos níveis, conferentes ou não de grau académico.

9. Mas os Estatutos da Uni-CV prevêem outros cenários de associação, com diferentes figurinos da entidade associada à universidade pública.

9.1. Um desses cenários, aplicável apenas no período de transição, não se ajusta ao figurino actual do IP, enquanto instituto de formação média. É o regulado no nº 2 do artº 50º, em que a unidade associada é um instituto de ensino superior público na dependência de outros departamentos governamentais, que não o da educação. Ao abrigo desse dispositivo legal, o INIDA associou-se a Uni-CV, prevendo-se que também o faça o INAG.

9.2. Outro cenário de associação, diferente do regulado para o período de transição da Uni-CV, é o que aparece explicitado no artigo 33º dos Estatutos da Uni-CV, que assim reza:

“1. As unidades associadas têm funções de ensino, investigação e extensão, cooperando com a Uni-CV em função da pertinência e adequação dos seus fins aos prosseguidos pela universidade, embora não integrem a orgânica da universidade.

2. Salvo o disposto no presente diploma, as unidades associadas mantêm com a Uni-CV relações de parceria institucional nos termos dos respectivos contratos de associação, assinados entre o Reitor e os respectivos dirigentes máximos.

3. Os contratos de associação a que se refere o número anterior definem as formas de colaboração, podendo incluir a possibilidade de partilha do pessoal docente e investigador e demais recursos, tendo em vista a boa prossecução de objectivos comuns”.

Note-se que esta norma não impõe como condição para se associar à Uni-CV que a instituição (necessariamente prossecutora de fins educativos) seja de nível superior. Assim, quer se proceda à revisão da LBSE e do Estatuto Orgânico do IP, quer não se vá para esse caminho, é possível, do ponto de vista jurídico, corporizar-se um determinado modelo de associação à Uni-CV, antes ou (sobretudo) depois do período de transição.

Efectivamente, é nosso parecer que esta norma não é aplicável apenas ao período subsequente ao da transição.

Também deve aplicar-se, inequivocamente, no período de transição, ainda que mediante um processo próprio de formalização da associação, que deverá traduzir-se na criação de uma modalidade específica e diferente de associação, sem prejuízo da excelência dos propósitos a serem acordados.

É certo que as normas transitórias dos Estatutos, constantes dos artigos 49º a 52º, por serem normas especiais, derrogam, em princípio, as normas gerais que disponham de modo diferente. O próprio artigo 49º dos Estatutos da Uni-CV, ao estabelecer que “as normas constantes do presente diploma referentes à estrutura e ao funcionamento da Uni-CV são objecto de adaptações nos termos dos artigos seguintes”, induz a essa interpretação.

Assim, quando, nos artigos 50º a 52º, os Estatutos da Uni-CV regulam a figura das unidades associadas em termos diferentes dos constantes das normas gerais (em que se inclui o artigo 33º), poderia entender-se que o legislador quis que, em relação ao figurino de associação com a Uni-CV no período transitório, deve prevalecer as normas constantes dos mencionados artigos 50º a 52º e não a do artigo 33º.

Com o devido respeito por eventual opinião contrária, entendemos que seria inútil tal interpretação. Não faz sentido que, por via dessa interpretação, se intente impedir a Uni-CV de, através de contratos de associação, estabelecer relações de parceria institucional com instituições (nacionais ou, mesmo, estrangeiras) que prossigam fins idênticos aos da universidade pública, sem se integrarem na orgânica desta. Se tal acontecesse, estar-se-ia a limitar a autonomia da Uni-CV e, designadamente, a faculdade que a lei lhe confere de “celebrar convénios, protocolos, contratos e outros acordos com instituições públicas ou privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais (nº 3 do artº 2º dos Estatutos da Uni-CV).

Assim, caso a Uni-CV e o IP entenderem por bem celebrar contratos de associação ao abrigo do artº 33º dos Estatutos da Uni-CV, podem fazê-lo, normalmente, tanto no período subsequente ao da transição, quer mesmo no período de transição.

Acontece, no entanto, que a associação do IP, neste cenário, processar-se-ia em moldes diferentes dos do ISE e do ISECMAR, ou seja:

- O presidente do IP não seria membro de pleno direito do Conselho da Uni-CV no período de transição;
- Não se aplicariam as regras relativas à criação dos novos cursos, ao provimento e ao desenvolvimento profissional do pessoal em regime de carreira, à construção de infra-estruturas e à realização de investimentos;

Poderá alegar-se que, ao abrigo do artigo 33º dos Estatutos da Uni-CV, o IP seria uma espécie de “filho de um Deus menor”, ao apresentar-se com um figurino jurídico diferente do dos demais institutos públicos de formação ligados sector da educação
Interessar-lhe-ia tal estatuto, neste momento?

Advertimos, entretanto, que, em condições normais e, em especial, no período subsequente ao da transição, esse vai ser o figurino geral de associação, pelo que não se colocará propriamente um problema se o mesmo for aplicado ao IP, quer no período de transição, quer no futuro (caso o IP se mantiver com personalidade jurídica e autonomia próprias, ou seja separado da Uni-CV).

10. Com efeito (e embora o nosso propósito seja introduzir ao debate sobre os pressupostos jurídicos da integração do IP na Uni-CV), devemos alertar para a possibilidade de o Estado pretender que, a par da Universidade Pública, exista, autonomamente, uma escola nacional de educação vocacionada especialmente para a formação de profissionais para a educação básica (professores, educadores de infância, gestores, supervisores, inspectores, etc.), nível de ensino de carácter obrigatório e tendencialmente gratuito, por imperativo constitucional.

11. Em suma, destacam-se duas vias conceptuais de participação do IP na universidade pública, a saber:

a) Constituir-se o IP em unidade associada da Uni-CV, já na fase de transição da Uni-CV, ao abrigo dos artºs 50º a 52º dos Estatutos da UniCV, ou seja, nos mesmos termos que o ISE e o ISECMAR, e na perspectiva da sua integração plena na universidade pública, após a transição (implica a revisão do quadro legal vigente);

b) Constituir-se o IP em unidade associada da Uni-CV, ao abrigo do artº 33º do Estatutos da Uni-CV, através de um contrato (de associação) que estabeleça as formas de parceria na realização de cursos, actividades de investigação e extensão (não implica a revisão do quadro legal vigente)…


12. A via de integração plena na Uni-CV, por implicar alteração do quadro legal, passa, em última instância, por uma decisão política, que deve ser suportada, obviamente, por cenários e estudos que assegurem a viabilidade e a sustentabilidade da opção.

13. Entretanto, entendemos que deve desmistificar-se a questão dos custos de associação à Uni-CV. Não no sentido de negar ou minimizar a sua indiscutível importância, mas de demonstrar, com dados objectivos, quais os custos da opção e as possibilidades de serem financiados de modo sustentável.

É, todavia, nossa convicção que a lógica do modelo universitário que se está a seguir é a de aproveitamento de sinergias, mediante a utilização racional e a rentabilização dos recursos.

A Uni-CV, através de uma lúcida reengenharia de processos de gestão, será, seguramente, menos dispendiosa que o conjunto das instituições públicas de formação pós-secundária e superior existentes funcionando nas actuais condições, ou seja, de forma autónoma. Mas esta é uma hipótese que se deverá confirmar (ou infirmar) com estudos (dados e números, que falarão por si).

Praia, 4 de Outubro de 2007.

Bartolomeu Varela
*Texto de base da Comunicação no Fórum “Pensar o Instituto Pedagógico – Melhorar para Servir”, proferida em 4.10.2007.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

AS PARCERIAS NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM CABO VERDE: UMA APOSTA PARA O SUCESSO! *


1. Aposta na Formação: alternativa a uma educação fracassada ou um novo paradigma de Qualificação dos Recursos Humanos?

Para alguns, a ênfase que vem sendo colocada na Formação Profissional, enquanto aposta estratégica e via incontornável para a modernização das economias e o fomento da empregabilidade, não deixa de representar a confissão implícita de um fracasso ou, ao menos, de uma crise monumental: a crise dos sistemas educativos.

Na verdade, entendem, a Educação de sucesso implica e envolve preparação para o exercício de uma profissão, ou seja, tem como fim último a Formação Profissional. Nesta perspectiva, a necessidade de criar um sistema de Formação Profissional dever-se-á ao facto de que o sistema educativo não satisfaz às demandas da economia e da sociedade, não preparando adequadamente para a vida activa…

Realmente, na sua concepção mais avançada, a Educação é um processo através do qual os indivíduos, através do acesso ao conhecimento e ao saber, adquirem competências para a vida. Daí que, facilmente, se dê conta de que a educação implica a formação. Assim o foi desde o surgimento da sociedade humana, havendo mesmo quem defenda que a educação-formação está na origem do surgimento do próprio homem como entidade distinta dos restantes animais. A luta conjunta dos homens primitivos para a sobrevivência; a invenção de signos linguísticos e sua utilização na comunicação; a descoberta e a utilização do fogo (para alimentação, aquecimento, iluminação, etc.), a descoberta e a prática da agricultura e da pecuária – tais são alguns factos históricos que, tendo conduzido à promoção da humanidade, só foram possíveis através da praxe educacional, que há de prosseguir, por via da tradição, de geração para geração…

Hodiernamente, as teses mais avançadas sobre a educação convergem no sentido de que uma educação pautada pela excelência tem que cumprir cinco funções essenciais, que desenvolvemos noutro local, a saber:
a) Desenvolver intelectual, moral e socialmente os alunos, sejam eles crianças ou adultos;
b) Promover o desenvolvimento da cultura geral;
c) Desenvolver e promover a aquisição de mecanismos ou automatismos básicos de aprendizagem; d) Formar e capacitar para a vida activa e para o exercício da cidadania;e) Promover a orientação vocacional e preparar os cidadãos para o exercício de uma profissão.

A última função da educação reconduz-nos à questão inicial: a formação profissional será componente ou corolário de uma educação bem sucedida.

As políticas de educação e de formação, concebidas e implementadas por departamentos governamentais diferentes, têm levado, amiúde, à exacerbação das disparidades entre a educação e a formação, quando as mesmas não podem ser consideradas como mundos à parte, “a se”, mas sim como actividades afins ou, no mínimo, absolutamente complementares.

As acções e medidas de política no sentido de se promover uma articulação estreita entre a educação e a formação; as reformas conducentes à criação de condições para que o chamado sistema de ensino formal, sobretudo a nível secundário ou pós-secundário, desenvolva a componente da formação técnicoprofissional; o estabelecimento de mecanismos de transição e de de equivalências entre o sistema formal de ensino e o sistema de formação profissional – tais são algumas das opções de políticas públicas que traduzem um novo paradigma de abordagem da problemática de qualificação dos recursos humanos.

É esse o paradigma adoptado em Cabo Verde.

À luz desse paradigma, importa que se avance em duas direcções que não são opostas mas convergem no mesmo sentido:

Por um lado, importa que as reformas educativas aprofundem o significado pleno da abordagem por competências, fazendo com que as escolas, no desenvolvimento da acção educativa, saibam:

- Aliar o saber universal ao conhecimento aprofundado e progressivo da realidade em que os educandos se inserem e que deverão transformar;

- Assegurar a ligação entre a teoria (o conhecimento científico), a pesquisa e a prática, relevando a utilidade, a validade e pertinência social dos saberes;

- Potenciar a inovação e a aprendizagem social;

- Colocar, em suma, a necessária ênfase nas seguintes regras de ouro da aprendizagem que são “aprender a aprender”, “aprender a ser”, “aprender a empreender” e “aprender a desaprender”!...

Por outro lado, o sistema de formação profissional, que se orienta no sentido do desenvolvimento da capacidade empreendedora dos indivíduos, deve articular-se com o sistema educativo, quer na perspectiva da transição entre os dois sistemas, quer no sentido da complementaridade de ambos…

A esta luz, a formação profissional apresenta-se como uma opção ou uma via credível para o sucesso dos indivíduos, tanto no plano pessoal como no social …

2. As parcerias e sua relevância na Formação Profissional

As parcerias nacionais e internacionais, nas suas diversas combinações (parcerias entre organizações públicas; parcerias entre entidades privadas e parcerias entre organizações públicas e privadas) encontram-se muito em voga, na actualidade.

Em Cabo Verde, as parceiras público-privadas, que se assentam numa tradição secular em processo de profunda mutação (o chamado “djunta mó”) não resultam apenas de uma tomada de consciência (porventura tardia) de que é impossível aos poderes públicos, de forma isolada, fazerem face e com sucesso, aos desafios inerentes ao processo de transformação e de desenvolvimento do país.

Tais parcerias constituem, na verdade, uma exigência natural do processo de desenvolvimento, só possível se assumido pela sociedade, no seu todo…

No domínio da formação profissional, as parcerias (envolvendo o Estado, as autarquias, as empresas, os formandos e outras entidades) estão largamente acolhidas no ordenamento jurídico e têm estado presentes em diversos programas e projectos de governação e de gestão empresarial. Este facto deriva do reconhecimento da necessidade da Formação Profissional, enquanto via incontornável para que, mediante a transformação do homem cabo-verdiano em capital humano, se alcancem objectivos estratégicos, a saber:

a) Desenvolver a capacidade empreendedora da sociedade;
b) Garantir a performance da economia;
c) Promover o sucesso dos empreendimentos e negócios;
d) Assegurar a empregabilidade e a competitividade dos indivíduos no mercado de trabalho;
e) Garantir a sustentabilidade do progresso;
f) Promover a realização pessoal e social dos indivíduos.

É, com efeito, pela via da Formação Profissional que se criam condições para que se logre a eficiência e a eficácia da economia e das empresas, condição necessária para que se possam gerar empregos que assegurem a realização pessoal e social dos indivíduos, nomeadamente dos que procuram o primeiro emprego ou optimizar as condições de sua integração no mundo laboral, cada vez mais exigente e competitivo.

A aposta estratégica na Formação Profissional só será bem sucedida na medida em que for assumida como desafio de toda a sociedade e, em particular, das empresas.

Ora bem, o sucesso dos empreendimentos e negócios é largamente tributário da qualidade da Formação Profissional.

Interessa, pois, aos empresários de sucesso que apostem na qualificação e no aperfeiçoamento permanentes dos recursos humanos.

Se a excelência nos negócios constitui um desafio permanente, tal excelência só é possível através da Qualificação, razão por que a Formação Profissional encontra ou deve encontrar nas empresas os seus mais fiéis e dilectos promotores….

Fiquemos, no entanto, cientes do seguinte: as parcerias não são sinónimas de dádivas. As parcerias implicam partilha: dar e receber. Por mais filantrópica que seja uma empresa ou instituição, a sua participação num projecto, como parceira, não é propriamente desinteressada. Existe sempre a expectativa de um retorno, mesmo que a motivação não seja a obtenção de dinheiro! É esse interesse, quer sob a forma de lucro económico ou de lucro social (ampliação do prestígio no meio, angariação de simpatia ou boa imagem, satisfação de realizar algo socialmente útil, etc), que serve de leitmotiv para a participação num dado projecto. Assim, o simples desejo de fazer de uma escola degradada uma escola nova e bem sucedida é já, de per si, um interesse, uma motivação suficientemente forte para justificar a parceria de uma empresa.

Daí que a estratégia de mobilização dos parceiras deva ser aprimorada, utilizando-se, para o efeito, princípios, regras e técnicas, que são, de há muito, objecto de estudo. Não vamos alongar-nos nesta matéria, mas sempre diremos que o envolvimento do parceiro deve fazer-se em relação a todas as etapas do processo em que ele, de algum modo, participa: da concepção de um projecto à sua implementação, gestão e avaliação. Assim se valorizará o parceiro que não se sentirá suficientemente motivado em “dar” ou “financiar” algo. Se é parceiro, deve ser parte do processo, de forma tão abrangente quanto possível ou recomendável!...

Cabo Verde apostou, decidida e irreversivelmente, no desenvolvimento de uma economia de base privada. Assim, se ao Estado incumbe regular o mercado, estimular e promover os empreendimentos (induzindo, desta forma, à empregabilidade), cabe às empresas, em última instância, assegurar que a economia se desenvolva de forma sustentável e, desta forma, garantir o sucesso da luta contra a pobreza e o desemprego, os dois maiores problemas nacionais. Porém o sucesso das empresas está largamente da aposta consequente que fizerem na formação do seu pessoal, ou seja, na Formação Profissional.

Como dizia Bill Gates, a maior riqueza da sua poderosa Microsoft Corporation, era o pessoal da empresa, devidamente qualificado e altamente motivado, e não os biliões que obtinha dos negócios. Pois, afinal, os biliões são criados pelo trabalho competente e inovador do seu pessoal…


Bartolomeu Varela
* Extractos de uma conferência proferida no “Centro de Formação Profissional da Variante”, de São Domingos, no dia 14 de Julho último, no âmbito da comemoração do primeiro aniversário desta instituição de formação.


sexta-feira, 27 de julho de 2007

Ei-los que partem… os finalistas!


“Flores da nossa luta, razão do nosso combate… O mais maravilhoso que há no mundo. Devemos dar-lhes o melhor que temos”! Assim se referia Amílcar Cabral às crianças, no seu tempo, que é também o nosso tempo, tanto mais que as suas palavras expressam um pensamento e uma orientação que continuam actuais.

Assim pensava eu quando assistia, dias atrás, a uma festa de finalistas do jardim infantil que o meu filho Márcio frequentou nos últimos dois anos, cumprindo uma etapa importante da sua vida: a de socialização no ambiente educativo extra-familiar e de propedêutica para a iniciação escolar propriamente dita, que tem lugar no ensino básico.

Gostei, particularmente, da opção feita em relação ao traje para a festa dos finalistas: em vez de trajes de um dia que, depois, são deitados fora, os finalistas apresentaram-se vestidos com o uniforme que vão utilizar, daqui a meses, como alunos do ensino básico, o que representa uma poupança aos bolsos das famílias. Bela ideia, sem dúvida!

Todos dizemos que virou moda a festa de finalista, não sendo poucos os que criticam esta moda, que outrora só era praticada no fim do ensino secundário ou, sobretudo, de um curso superior!

O cabo-verdiano gosta de festas! É isso que, segundo outros, explica tanta festa de finalistas!
Realmente, o cabo-verdiano adora festas: o nascimento de um filho, o 7º dia do nascimento (“Dia do Sete” ou de “Guarda-cabeça”, para esconjurar perigos ocultos!), casamento, baptizado, regresso de emigrante, dia de município, dia de santo padroeiro de freguesia, dia de Natal, dia de Fim-de-Ano, dia de Páscoa… Já imaginou em quantas festas o cabo-verdiano participa em cada ano?

Não há dúvida que, não poucas vezes, há um enorme exagero nos gastos com festas! Mas convenhamos que é também com festas (dentro dos limites, é claro) que se constrói a felicidade! A alegria de viver, bem patente nas festas, pode ser um lenitivo ou um incentivo para enfrentar as dificuldades da vida e obter, pelo trabalho honesto, recursos para serem investidos em muitos projectos, incluindo … novas festas!

Mas voltemos à festa de finalistas do jardim do meu filho caçula (ver imagem neste blog).

Simples moda ou expressão da cultura de um povo dado a festas, foi maravilhoso assistir a essa festa de finalistas e, assim, poder testemunhar como os pupilos daquele jardim-de-infância e candidatos ao ensino básico encaravam esse dia de finalista, que marca uma etapa importante na sua vida: muito entusiasmo, muita alegria e, vejam lá, muita seriedade!

Deixá-los festejar, porque não lhes falece motivo para tanto!- pensava eu, enquanto assumia o papel de repórter da festinha, além do de pai!

Vencendo a primeira etapa, irão vencer as outras, com novas festas de finalistas a coroar os êxitos académicos! Festas que valem sempre a pena, sobretudo se o culminar de cada etapa se traduzir em ganhos efectivos, em prol do progresso social e individual, prova final do sucesso da obra educativa que se desenvolve em Cabo Verde.

Ei-los que partem, os finalistas, para novas etapas e novos desafios na sua vida académica e social, em que a alegria de viver deve estar presente, a par de uma postura responsável que deve caracterizar a vida estudantil e, em geral, a vida societária.

Bartolomeu Varela

Inspeção e regulação da Educação

  Partilhamos nesta página o nosso mais recente livro, que visa proporcionar a todos quantos se interessam pela problemática da Qualidade da...