sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Educação em Cabo Verde: um balanço que urge e o muito que há ainda por fazer!

Assisti, ontem, a uma parte de um programa televisivo difundido na RTP África, com um apanhado de opiniões sobre a educação em Cabo Verde durante o ano de 2008 e as perspectivas para o ano de 2009, que ora começa.
Deixando de lado algumas opiniões contrastantes expendidas, chamaram a minha atenção as ideias defendidas por três dos entrevistados, que coincidiram na opinião de que, em matéria de educação, um facto marcante do ano findo foi o arranque, em novos moldes, da Universidade de Cabo Verde, isto é, acrescento eu, com unidades orgânicas próprias, que lhe permitiram superar a fase inicial, de quase dois anos, em que a instituição, criada nos finais de 2006, funcionou em associação com os institutos públicos de ensino superior (ISE, ISECMAR, INAG), entretanto extintos em Setembro de 2008.

Um dos entrevistados, docente da Uni-CV, referiu, como algo positivo, o facto de a universidade ter realizado concursos para o recrutamento dos novos docentes, salientando, contudo, a necessidade de criação de condições adequadas para um bom desempenho dos professores e dos estudantes. Concordo com esta opinião, ainda que o entrevistado pudesse, num acto de justiça, reconhecer que tais condições estão sendo criadas, como o ilustram vários projectos em curso, tanto na Praia como em S. Vicente, como a ampliação de edifícios, a melhoria e o equipamento de gabinetes de docentes, de salas de aula, bibliotecas, laboratórios, salas e redes de informática, etc), além do esforço de elaboração e implementação de normativos e dispositivos de gestão da universidade...

O outro entrevistado, docente de uma instituição privada de ensino superior, embora reconhecendo, como facto relevante, o arranque da Universidade de Cabo Verde, com unidades orgânicas próprias, afirmou estar céptico quanto ao sucesso do modelo de universidade pública adoptado, alegando que a decisão foi tomada de cima para baixo, sem o envolvimento dos docentes, e acrescentou que a única preocupação que registou foi a de se pintar rapidamente o edifício para que ficasse com melhor aspecto no dia seguinte, que era o de início das actividades lectivas. Respeitando, também, esta opinião, não deixo, contudo, de constatar, uma vez mais, a necessidade que a Uni-CV tem de melhorar a sua comunicação com a sociedade, nomeadamente com a denominada "massa crítica", de modo a dar-se a conhecer melhor, pois, dando o benefíicio da dúvida a este entrevistado, que falhou redondamente nas suas críticas, parto do princípio de que ele terá opinado de boa fé, com base nas informações que possui, ou que não possui, só assim se compreendendo que não tivesse mencionado que: (i) o modelo de universidade foi amplamente debatido antes da criação da Uni-CV, em 2006, no âmbito das actividades desenvolvidas pela Comissão Instaladora, criada dois anos antes; (ii) o projecto orgânico e as linhas estratégicas de desenvolvimento da Uni-CV resultaram de um estudo sério e foram objecto de discussão pública e no seio dos docentes; (iii) o diploma de extinção das antigas unidades associadas, assim como os projectos de Regulamento Orgânico, dos Estatutos do Pessoal Docente e Não Docente, dos Cursos, etc, foram objecto de várias reuniões de discussão, ainda que, por vezes, no meio de boatos e tentativas de desinformação…

Mas o segundo entrevistado expendeu outras opiniões que merecem meu total apoio, tanto mais que as tenho defendido em várias ocasiões. Assim, defendeu a necessidade de uma verdadeira reforma do sistema educativo, nomeadamente com a generalização efectiva da escolaridade básica de oito anos (tantas vezes prometida e adiada), o ensino na língua cabo-verdiana, a reintrodução de línguas estrangeiras no 5º e 6º anos de escolaridade, etc.

O último entrevistado salientou a necessidade urgente de implementação de um sistema de regulação do ensino superior em Cabo Verde, capaz de promover a elevação da qualidade deste subsistema, de importância fulcral para o desenvolvimento sustentável do país.

Na verdade, eu vos digo, caros cibernautas: se há muito a fazer-se em matéria de adequação, modernização e qualificação do sistema educativo em Cabo Verde, a implementação das poucas ideias defendidas e aqui registadas será suficiente para que se dê já um importante salto qualitativo na educação cabo-verdiana.

Como nota final, lamento não ter podido seguir desde o início o trabalho do jornalista Abraão dado à estampa na RTP África. É que as questões de fundo que a Educação enfrenta em Cabo Verde (a falta de um verdadeiro planeamento educativo, as enormes insuficiências ao nível da educação, a ausência de um sistema adequado de regulação e de controlo de qualidade da educação, a inadequação ou ausência de normas estruturantes do sistema educativo, o obsoletismo e as lacunas gritantes a nível das concepções e praxes curriculares, a inadequação do modelo de financiamento do sistema, o fracasso da política de bolsas de estudo, etc) têm estado tão pouco presentes nos debates, designadamente a nível dos mass media cabo-verdianos! Talvez por isso mesmo, isto é, por falta de pressão da opinião pública, continue a adiar-se o seu agendamento e resolução.
Faça-se, no entanto, a justiça merecida: não ignoro as coisas boas que se têm feito e se vão fazendo no sistema educativo, mas elas "sabem a pouco", em face do muito que deve fazer-se, para que a educação seja cada vez mais um instrumento decisivo no processo de transformação e de desenvolvimento sustentável de Cabo Verde!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Educação pelos Pares

Prólogo:
Ontem, teve lugar na Universidade de Cabo Verde, Campus de Palmarejo, um Seminário sobre a Educação pelos Pares, de que dá notícia o Portal da mesma universidade, sob o título:
Porque se trata de uma interesante metodologia de abordagem de questões educacionais, reproduzimos um texto sobre a matéria publicado por Maria Rosário Pinheiro no blog de educação para a saúde, denominado "Saúde com estilo 2005", no seguinte endereço: http://saudecomestilo2005.blogspot.com/2005/11/educao-pelos-pares.html
Boa leitura.
BV


Educação pelos Pares: uma metodologia utilizada na Educação para a Saúde
Por Maria Rosário Pinheiro, Projecto Falsas Crenças, 2005

A Educação pelos Pares ou Peer Education é um conceito conhecido a nível mundial, sendo uma metodologia bastante utilizada, desenvolvida e divulgada em Programas de Promoção e Educação para a Saúde (ex: programas de educação sexual e prevenção e abuso de droga).
O que se entende por Educação pelos Pares ou Peer Education?
É uma abordagem pela qual uma minoria de pares representativos de um grupo ou população intencionalmente tenta informar e influenciar a maioria (Europeer, 1998).
Daí se considerar de forma simples que a educação pelos pares é a “comunicação par a par”. Portanto, o conceito “Peer Education” significa que aqueles que pertencem ao mesmo grupo ou estatuto social, educam-se mutuamente ( Europeer, 1998).
A educação de pares é uma metodologia que permite simultaneamente promover a aprendizagem e o desenvolvimento do outro (educatividade) e de si mesmo (educabilidade) através do desenvolvimento de acções racionais, intencionais, sistemáticas, fundamentais e técnicas. (Maria Rosário Pinheiro, Projecto Falsas Crenças, 2005)

Porque é que a Educação pelos Pares é vantajosa?
Como é sabido, o grupo de pares exerce uma forte influência social sobre os jovens desempenhando um papel fundamental no processo de construção e consolidação da identidade e autonomia dos mesmos, partilhando ideias, atitudes, valores e comportamentos.Neste sentido, os pares surgem como um recurso humano inestimável que permite uma adaptação das mensagens de prevenção e promoção e das actividades a cada cultura, estilo de vida, nível ou grupo social e idade, uma vez que, como afirmam Turner & Shepherd (1999, citados por Matos, s/d, apud Moura, Armanda, 2005) conhecem as problemáticas, os cenários e os actores activos, tornando-se muitas vezes mais eficazes do que os profissionais na transmissão da informação.
Segundo Senderowitz (1998, citado por Costa, 2001, apud Moura, Armanda, 2005), os educadores de pares podem, por um lado, enriquecer os programas trazendo ideias enérgicas, novas e vitais, por outro publicitar as actividade desenvolvidas, ajudando os seus pares a se interessarem e envolverem.
Visão semelhante possui Alice Alves (1999), considerando que a formação pelos pares (com o professor ou outro técnico na retaguarda) é uma aposta actual da pedagogia uma vez que facilita a relação horizontal, ao nível da linguagem, dos interesses, das vivências que são comuns.A criação da Carta de Ottawa, (importante documento no âmbito da promoção da saúde) em 1986 levou a que, entre outras coisas, a OMS posteriormente reconhecesse e considerasse a Educação pelos Pares como uma metodologia altamente eficaz na modificação dos comportamentos.

Quais os fundamentos da Educação pelos Pares?

• Os amigos procuram conselhos entre os amigos e são influenciados pelas expectativas, atitudes e comportamentos do grupo a que querem pertencer. (Lindsey, 1997)
• A informação, particularmente a informação significativa, é mais facilmente partilhada entre pessoas de uma idade próxima. (Mellanby, Rees &Tripp, 2000)
• As pessoas são persuasíveis por alguém ligeiramente superior mas não muito superior.
(Rogers, 1983)
• Os indivíduos necessitam da oportunidade de praticar comportamentos modelados e de serem reforçados pelos seus desempenhos para poderem modificar o seu comportamento.
(Bandura, 1986; Tuner & Shepherd, 1999)
Como conceber, planificar e desenvolver um projecto centrado na Educação pelos Pares?
1- Inicialmente é necessário definir a população alvo e efectuar um levantamento das necessidades dessa mesma população.Segundo Svenson e colaboradores (Peer to Peer Education, 1998) deve-se ainda:
2- Estruturar metas e desafios (definir os objectivos a alcançar, definir o modelo do projecto a seguir e determinar o modo de avaliação)
3- Iniciar o projecto:
a)Criar parcerias e angariar financiamentos
b)Elaborar um plano de acção
c)Seleccionar os educadores de pares, tendo por base alguns critérios essenciais: verificar se querem realmente integrar o projecto (voluntariado), devem ser aceites pelo grupo no qual se pretende intervir (grupo de pares educandos) e devem ser detentores de uma personalidade passível de se adequar à formação e às tarefas/actividades a desenvolver
d) Definir e criar as condições necessárias ao apoio das actividadese) Escolher o coordenador do projecto.

Quais as características que deve possuir um educador de pares?
Embora não haja um consenso europeu entre os vários especialistas no que se refere às características essenciais que um educador de pares deve possuir, Svenson e os seus colaboradores (Europear, 1998) reiteram alguns atributos:
1. capacidade de comunicação e assertividade
2. espírito inovador e abertura à mudança
3. capacidade para trabalhar em grupo e em equipa
4. respeito pelos outros e pela confidencialidade da informação5. interesse pelo tema do projecto ou intervenção específica

Abordagens da Educação pelos Pares:
(Svenson e colaboradores, 1998, Europeer)
1. Abordagem Pedagógica ou Educacional
2. Abordagem de Intervenção no Terreno
3. Abordagem de Difusão
4. Abordagem de Mobilização Comunitária
1. Abordagem Pedagógica ou Educacional:
• privilegia o cenário formal para apresentar a informação;• as sessões são fixas, tendo a duração de 1h-2h;
• utiliza técnicas didácticas e interactivas;
• a presença de adultos não é obrigatória;
• os educadores de pares possuem a mesma idade ou são ligeiramente mais velhos e podem não ter vivenciado as mesmas experiências;
• abordagem que privilegia a passagem da informação, a descodificação de mitos e noções erradas.
2. Abordagem de Intervenção no Terreno:
• privilegia o cenário não formal (centros de juventude, culturais, religiosos, etc);
• utiliza técnicas didácticas e interactivas;
• intervenção em grupos com características sociais (ex: minorias étnicas, jovens marginalizados);
• os educadores de pares geralmente pertencem a grupos sociais diferentes do grupo alvo, embora muitas vezes tenham a mesma idade, pertençam ao mesmo grupo étnico, partilhem a mesma linguagem e experiências, etc;
• abordagem centrada nos grupos ditos especiais que não gozam de uma abordagem formal educacional.
3. Abordagem de Difusão:
• privilegia a comunicação do tipo informal par a par ( “peer-to-peer”)
• os pares educadores partilham o mesmo grupo social dos pares educandos (grupo alvo)
• aproveita os contextos existentes (redes sociais e canais de comunicação) de modo a difundir a influência, mudança e inovação
• utiliza técnicas interactivas: discussão espontânea, peças de teatro e “sketches”, programas de rádio, quiosques de informação, festivais, etc.
• centra-se no princípio de que o grupo pode influenciar o grande grupo, a partir da partilha de informação, valores, ideias, atitudes e comportamentos.
• recorre e utiliza o líder de opinião.
4. Abordagem de Mobilização Comunitária:
• tem por cenário base a comunidade local (ex: comunidades étnicas, geográficas, escolares e religiosas)
• estabelece parcerias com as organizações da comunidade, líderes de opinião, jovens e profissionais
• os pares educadores representam a comunidade mais do que um projecto ou organização• é uma abordagem mais complexa do que as abordagens referidas anteriormente combinando em muitos caos aspectos destas três abordagens ( abordagem educacional, difusão e intervenção no terreno)

Educação de Pares na Educação para a Saúde
Os indivíduos possuem características, conhecimentos, atitudes e comportamentos comuns pelo que podem possuir o mesmo tipo de dificuldade e problemas na área da saúde.
(Maria Rosário Pinheiro, Projecto Falsas Crenças, 2005)

Qualidade e Regulação da Educação - Práxis e perspetivas no contexto cabo-verdiano

Partindo do entendimento de que a educação, a diversos níveis, constitui um bem público essencial, ė imperioso que ela seja de qualidade, so...