Dia do Professor: Cabo Verde deve formar doutores para produção de conhecimento endógeno
O antigo administrador-geral da Universidade de Cabo
Verde (Uni-CV) e docente começou por defender um ensino superior que aposte na
triplicidade de funções do professor: produção do conhecimento/investigação,
ensino e extensão, ou seja, prestação de serviço à sociedade para o seu
empoderamento para evoluir.
Bartolomeu Varela, que falava a propósito do Dia do
Professor Cabo-verdiano, que se assinala hoje, 23 de Abril, lamentou que o ensino
superior no país esteja mais focalizado num ensino em que o conhecimento
difundido na formação ainda é “maioritariamente fruto de produção exógena do
conhecimento científico”.
Na sua visão, com a produção de conhecimento novo (por
doutores e investigadores), este depois será inserido no processo de formação
dos alunos e servirá também para o país contribuir para o património universal
do conhecimento e da cultura.
Outro desafio, de acordo com Bartolomeu Varela, é,
através da investigação e da formação superior, gerar uma massa crítica capaz
de contribuir para a fundamentação de propostas de desenvolvimento sustentável
do país, que ainda não beneficia de uma ligação “adequada” entre o mundo
académico, o campo político e o mundo económico.
O objectivo, a seu ver, é que o campo político possa
se ancorar na academia para, através da investigação científica e de estudos de
alto nível científico e técnico, poder fundamentar o projecto nacional de
desenvolvimento”.
O tecido económico e empresarial também deveria poder
contar com ‘inputs’ da academia, afiançou, para assegurar que, enquanto isso
não acontecer, o desenvolvimento do país vai decorrer com altos e baixos, na
base da importação de conhecimento, ‘know how’ e tecnologia de outros países,
“sem uma aposta consequente no desenvolvimento da massa crítica nacional”.
Nos outros níveis de ensino, a proposta deste
professor doutor é que o país comece a investir desde o pré-escolar, onde quase
99% dos educadores de infância não têm formação adequada, isto é, curso
superior nessa área, que tem um impacto enorme a níveis dos restantes
sub-sistemas de ensino.
Concordou que esses profissionais possuem formação
diferenciada e que muito poucos com formação em educação de infância
encontraram sequer espaço de emprego para os diplomados, porque as entidades
proprietárias do pré-escolar preferem pagar salários baixos, recrutando pessoal
menos qualificado.
No caso do ensino básico, informou que a lei, desde
2010, prevê oito anos, quando ainda se está com seis anos de escolaridade
básica e, “paradoxalmente, a cobrar propinas aos alunos do sétimo e do oitavo
anos porque, pretensamente, são do ensino secundário, e não são”.
Neste cenário de problemas diversos, este docente vê
como soluções desejadas a melhoria das condições de ensino/aprendizagem e a
modernização não só pedagógica como científica e tecnológica, já que o país
continua a ter um ensino muito transmissivo e apoiado sobretudo na
verbalização.
Chamou a atenção para o facto de a escola funcionar a
meio tempo, um sistema que vem da época colonial (anos 60 do século XX), o que
não é a melhor opção, porque, “quando se tem pouco tempo escolar e, entretanto,
vai-se aumentando o número de disciplinas, há uma enorme sobrecarga sobre os
professores e uma pressão produtivista muito forte sobre os mesmos, que terão
dificuldades em poder corresponder ao ensino de qualidade”.
Para Bartolomeu Varela, seria preferível ter menor
número de disciplinas e integrar nelas um conjunto de outros objectivos de
formação como educação para o ambiente, educação para a cidadania e educação
para a saúde sexual e reprodutiva, etc., “mas sem criar um grande número de
disciplinas, sem tempo adequado para as leccionar”.
Apesar disso, garantiu que Cabo Verde tem um sistema
educativo que está “muito acima” do que acontece na sub-região africana, em
geral.
“Mas nem por isso devemos ficar demasiado envaidecidos
porque, mesmo nessa região, também há aspectos positivos que não conseguimos
traduzir no nosso ensino básico”, salientou.
Como exemplo, avançou o caso dos países francófonos
oeste-africanos em que os alunos, depois de terminarem o ensino básico, falam
fluentemente a língua francesa e continuam a falar o 'wolof' ou outras línguas
nativas.
“Nós não temos sido capazes, ao longo destes 40 anos
de independência, de tornar o nosso sistema educativo (básico e secundário)
capaz de preparar os alunos para falarem adequadamente o português e também a
utilizarem adequadamente a língua nacional”, explicou.
Neste olhar sobre o percurso da classe docente em Cabo
Verde, que ingressou com apenas 18 anos, no ano lectivo 1973/1974, após
concluir quatro anos de preparação na escola de habilitação de professores
(antes da Escola do Magistério Primário) e ter sido colocado na
Brava, Bartolomeu Varela considerou que a democratização e
massificação do ensino apresentam ganhos significativos.
Uma caminhada de que falou com propriedade, dado que
foi professor primário, liceal (público e privado) e universitário, já com doutoramento
concluído em Ciências da Educação, pela Universidade do Minho (Portugal),
depois de um doutoramento em Direito, já pronto mas que, por opção própria,
decidiu não defender.
Orgulha-se do contributo que tem dado a nível da
legislação pela qual se rege a educação, a formação e o ensino superior no
país, mas também da sua passagem pelo Parlamento, pelo Ministério da Educação
como inspector da educação e secretário-geral e pela Universidade de Cabo Verde
(Uni-CV), que ajudou a criar e onde foi administrador-geral.
Já na reforma desde este ano lectivo, mantém-se “no
activo”, porque continua a trabalhar ‘pro bono’ para a Uni-CV, lecionando,
orientando alunos de pós-graduação e fazendo investigação, “enquanto tiver
forças para tal”, sublinhou.
AB
Inforpress/Fim