domingo, 3 de agosto de 2008

Nem tudo o que é Ensino Superior é Universidade!

Li, há dias, num dos semanários da capital cabo-verdiana, uma reportagem em que é dada a conhecer ao público alguma celeuma criada (diga-se de passagem, intempestivamente) a propósito de uma proposta de estatuto de pessoal docente da Universidade de Cabo Verde, lançada à discussão pela reitoria da mesma universidade. Chamaram-me a atenção algumas afirmações bombásticas de um dos docentes entrevistados, para quem a qualidade, um dos valores que a proposta de diploma propugna, é “uma falsa questão” pois, “se a Uni-CV hoje existe é graças ao ISE e ao ISECMAR” e que “em todo o processo de construção da Uni-CV não há nada de novo, tudo foi feito até aqui pelos docentes do ISE” (sic).

Todos os que acompanham, com interesse, a evolução da educação em Cabo Verde reconhecem o contributo do ISE para o desenvolvimento do ensino superior público (e não só) neste país. Tampouco ignoram o papel desempenhado, nesse sentido, por outros institutos públicos de ensino superior, assim como o potencial humano, científico, tecnológico e logístico que os diversos institutos, sem excepção, encerram, razão por que os mesmos se constituem em unidades associadas da universidade pública, nos termos da lei.

Mas o docente em questão, porventura involuntariamente, confunde alguma opinião pública menos esclarecida quando afirma que, em todo o processo de implementação da universidade pública, não há nada de novo, atribuindo, em exclusivo, ao ISE os louros de tudo quanto foi feito até aqui. Para esse docente, além do trabalho do ISE (que reconheço como meritório), nada existe, afirmação infundada e que, levada às últimas consequências, significaria que a Reitoria, o Governo, os demais institutos, as muitas universidades que colaboram com a Uni-CV nada têm feito nesse processo.

Assim, pergunto:
- Não teve importância a medida legislativa que transformou o ISE de uma instituição que se limitava a formar professores do ensino secundário para uma instituição de formação de quadros superiores em diversas áreas de conhecimento?
- Os trabalhos de desenvolvimento curricular dos novos cursos e de reconfiguração curricular dos cursos que vinham sendo ministrados não têm valor nenhum?
- Não constitui nada de novo a criação de mais de uma dezena de cursos de licenciatura e diversos cursos de mestrado em áreas de interesse relevante para o desenvolvimento do país, nomeadamente a nível das ciências e tecnologias básicas e das engenharias?
- Não significa nada a vinda a Cabo Verde, com frequência, de docentes altamente qualificados, de várias universidades parceiras, para a leccionação nos cursos de mestrado?
- Que dizer a propósito das deslocações frequentes de professores universitários de Portugal, Brasil e outros países para o suprimento de lacunas existentes a nível do corpo docente do ISE e outros institutos? Não têm relevância?
- A melhoria das condições de leccionação, designadamente com o apetrechamento de laboratórios e a instalação de equipamentos informáticos, nada significa?
- Não valem para nada os estudos estratégicos sobre o desenvolvimento da universidade pública, as propostas de diplomas legais elaboradas pela reitoria da Uni-CV (incluindo o estatuto de pessoal docente submetido à discussão), o orçamento integrado da Universidade e os diversos projectos de investimento no ensino superior público?
- Os programas de pós-graduação (mestrado e doutoramento) em preparação de modo a capacitar docentes em exercício nos institutos não têm relevância?

Bem, fiquemos por estas questões, em relação às quais, estou convicto, dificilmente se responderá de forma negativa (ou seja, que isso tudo não é “nada de novo”), sob pena de se cair no ridículo.
Estamos, todavia, todos, de acordo que é preciso fazer-se muito mais, desde que todos e cada um (docentes, trabalhadores, estudantes, dirigentes universitários, governantes) façam a sua parte, cumprindo o papel que lhes cabe na autêntica epopeia que é construir no chão das ilhas uma universidade de excelência, à nossa dimensão e de acordo com as nossas ambições de progresso!

Mas o que me preocupa, sobremaneira, é a confusão que parece existir, nalguns círculos, entre ensino superior e universidade. Convenhamos que não foi à toa que se criou uma universidade pública em Cabo Verde. Além das vantagens e do efeito sinergético decorrentes da integração, numa só instituição (a Uni-CV) do potencial existente a nível de cada um dos institutos, a universidade representa um salto qualitativo no processo de qualificação dos recursos humanos de que o país necessita para o seu desenvolvimento. Se toda a universidade é um estabelecimento de ensino superior, nem todo o estabelecimento de ensino superior constitui uma universidade.

Efectivamente, a universidade não se define apenas pela tendência em abarcar as diversas áreas de conhecimento, através de unidades orgânicas próprias e especializadas. A universidade vale, em especial, pela excelência das actividades académicas, que devem propiciar condições para o desenvolvimento das competências científicas, tecnológicas, culturais e profissionais de que uma sociedade precisa para atingir elevados padrões de progresso, num quadro em que a aprendizagem se desenvolve através da ligação do ensino à investigação e as competências adquiridas não ficam circunscritas aos muros da instituição de ensino mas tendem a ser utilizadas para o desenvolvimento da capacidade empreendedora da sociedade cabo-verdiana.
Em suma, a universidade, mormente uma universidade moderna, estriba-se numa tríade em que o ensino, a investigação e a extensão se conjugam para transformar a academia num instrumento de promoção de competências para a vida, de valorização dos indivíduos e de transformação social.

Pela sua missão e pela responsabilidade social que lhe é inerente, a universidade é um projecto de grande alcance estratégico, que é implementado no quadro de um processo em que se torna mister uma esclarecida visão de futuro, a par de acções consequentes e sistemáticas destinadas a materializá-la no quotidiano. Posto que a universidade de excelência é para um futuro que começa hoje!
Bartolomeu Varela

domingo, 6 de abril de 2008

Universidade de Cabo Verde: Modelos, visões e perspectivas contrastantes


Há dias, cruzei-me com um ex-membro do Governo responsável pelo sector da educação, com quem troquei breves palavras de simpatia que, logo, me pareceram azedar, da parte dele, quando soube que eu, enquanto Administrador-Geral, intregava a equipa dirigente da Universidade de Cabo Verde. "Ah! O que vocês estão a fazer não vale; esse modelo de universidade não vale, vai acabar com o ensino superior privado (sic!); a criação da Universidade, com a extinção dos actuais institutos públicos de ensino superior, é uma grande asneira! Vamos acabar com este modelo de universidade".

Face ao manancial de afirmações bombásticas e ameaçadoras do meu interlocutor, limitei-me a perguntar-lhe, de forma serena: "Mas você conhece o diploma legal que cria a Uni-CV? Conhece os princípios ou documentos estruturantes do projecto da universidade pública?"

Respondeu que não, ao que retorqui: "Talvez, se os conhecesse, veria que o que se está a fazer é a construção de uma universidade de excelência, captando-se, para o efeito, o potencial científico, tecnológico, humano, patrimonial e logísitico existente a nível dos actuais institutos públicos de ensino superior, os quais, transitoriamente (durante dois anos, em princípio) integram o Conselho da Universidade, até que se criem unidades próprias (departamentos, escolas superores, centros de investigação, etc), altura em que tais institutos se extinguirão, emergindo então"...

O ex-governante não me deixou prosseguir: "Ah! Isso não vale! ... "Eu vou acabar com isso quando... se eu for Poder". Brinquei: "Não vai conseguir!" E acrescentei: "Mas se chegar ao poder, terá pela frente uma universidade pública que, pela qualidade e relevância das suas actividades académicas, só merecerá apoio governamental, tanto mais que ..."

Interrompeu-me, novamente: "Eu vou acabar com isso, é uma asneira!". Então propus-lhe: "Porque não marcamos um encontro, os dois, para pormos na mesa os nossos modelos, visões e perspectivas de desenvolvimento da universidade pública e, desta arte, analisarmos, serenamente, a sua consistência e, quem sabe, desfazermos preconceitos, encontrarmos pontos de afinidades e contributos válidos"... Sou, novamente, interrompido: "não vale a pena, isso não serve; eu já disse isso ao Reitor. Eu vou acabar com isso!". Bem, não dava para continuar a conversa, até porque, na altura, tínhamos os nossos afazeres, pelo que, afavelmente, nos despedimos.

Fiquei com um nó na garganta, mas, sobretudo, com pena: há um ex-membro do Governo responsável pela educação que, ávido de voltar ao posto governamental, prefere ficar com os seus preconceitos e, com base neles, demarcar-se de algo que nem sequer conhece; tampouco pretende conhecer e discutir os princípios enformadores da estratégia de desenvolvimento da universidade pública, porventura com receio de constatar que não possui melhor alternativa que aquela que se está a construir; apenas diz e repete, como nessa história do anarquista típico: "não me importa o que estão a fazer, mas sou contra e, quando eu for poder, vou acabar com isso"!

Confio, todavia, que os políticos cabo-verdianos, na sua esmagadora maioria, da situação e da oposição, entendem que a universidade pública deve estar resguardada dos efeitos maléficos das estratégias de luta, a todo o custo, pelo poder. Com efeito, o interesse nacional exige que a universidade pública não seja mera caixa de ressonância dos interesses específicos dos partidos políticos, sejam eles do governo ou que aspiram a governar; que, nos seus projectos de organização e gestão e nas actividades de ensino, investigação e extensão que desenvolve, a universidade integre e potencie a expressão plural das opiniões e perspectivas de desenvolvimento científico, tecnológico e socio-económico, submetendo-as a uma análise que evidencie o que realmente serve a causa do progresso sustentável da nação cabo-verdiana.

Bartolomeu Varela

Qualidade e Regulação da Educação - Práxis e perspetivas no contexto cabo-verdiano

Partindo do entendimento de que a educação, a diversos níveis, constitui um bem público essencial, ė imperioso que ela seja de qualidade, so...