terça-feira, 3 de abril de 2007

Breve reflexão sobre o ensino privado em Cabo Verde



I. A massificação do ensino à escala planetária e as exigências das reformas educativas

Encarado, defendido e promovido à escala planetária como um dos mais importantes Direitos Humanos, o direito à educação tem ganho efectividade crescente, encontrando consagração no ordenamento constitucional de numerosos países como um Direito Fundamental dos cidadãos.

Na verdade, a massificação da educação é um fenómeno mundial que deriva do reconhecimento da educação/formação como uma condição imprescindível ao progresso material ou, dito de outro modo, como uma exigência incontornável para a promoção de um efectivo desenvolvimento humano.

Tal fenómeno tem levado a reformas profundas dos sistemas educativos, de modo a assegurar-se a garantia do acesso equitativo aos diversos níveis de ensino de forma sustentável e com níveis elevados de qualidade.
Alguns princípios e opções têm marcado os processos de reforma das políticas educativas à escala planetária, a saber:
a) O reconhecimento de que a obra educativa não é tarefa exclusiva do Estado mas de toda a sociedade;
b) A comparticipação crescente da sociedade no financiamento e na gestão da educação;
c) A coexistência nos sistemas educativos de dois subsistemas paralelos e complementares, a cargo, dos sectores público e privado (incluindo-se no sector privado o papel das cooperativas);
d) A consideração do ensino privado como uma alternativa credível ao ensino público e um valioso complemento deste, capaz não apenas de oferecer à sociedade um serviço educativo ao nível do praticado nos estabelecimentos públicos mas também de criar ofertas formativas inovadoras, de modo a criar-se uma competitividade sadia e a fazer com que toda a sociedade saia a ganhar com a diversidade de ofertas e a elevação desejada do nível geral do ensino praticado.

II. A massificação do acesso ao ensino em Cabo Verde e o contributo do ensino privado

Cabo Verde não tem estado alheio ao processo de massificação do ensino e aos desafios que coloca, nomeadamente em termos de resposta sustentável e com a necessária qualidade às demandas. Por outras palavras, “um dos maiores problemas do Sistema Educativo Cabo-verdiano reside no enorme desfasamento existente entre as expectativas sociais, em termos de procura social da educação, e a capacidade do mesmo Sistema em dar resposta a essas expectativas[1]”.

Mas o cerne da questão não reside somente na garantia do acesso à educação, desde a educação pré-escolar ao ensino superior, tarefa de per si colossal, pelos investimentos que implica em diversas direcções (criação de infra-estruturas; qualificação do pessoal docente, técnico, administrativo e auxiliar; adequação dos curricula e materiais didácticos, etc.).

Com efeito, se à luz do ordenamento jurídico cabo-verdiano, a educação ascende à categoria de direito público subjectivo (o direito individual de fruição da educação), importa que a democratização do acesso à educação seja acompanhada da garantia de prestação de um serviço educativo pautado pela excelência. Dito de outro modo, no contexto actual e nos próximos anos, Cabo Verde deve preocupar-se não só em garantir aos seus cidadãos o acesso equitativo à educação mas sobretudo proporcionar o acesso equitativo de todos a uma educação de qualidade e pautada pelo princípio da pertinência social das aprendizagens.

Vencer os grandes desafios da educação constitui um desiderato que a todos (toda a sociedade) concerne, tendo em conta o seu papel decisivo nos processos de transformação social no sentido da modernidade, do desenvolvimento e do progresso.

A aposta num modelo de desenvolvimento de Cabo Verde promotor da livre iniciativa dos cidadãos não poderia deixar de se reflectir, de modo consequente, na abertura da educação, nos diversos níveis, à iniciativa privada, que deve ser encorajada e apoiada, mas também avaliada no seu desempenho, de modo a acautelar-se a qualidade do serviço educativo prestado à sociedade.

Conhecendo-se a opção constitucional no sentido de o Estado assegurar um ensino básico obrigatório e tendencialmente gratuito e sabendo-se que a mesma opção é seguida a nível da alfabetização e educação de adultos, tendo em vista a meta da erradicação do analfabetismo, admite-se que apenas estes dois subsistemas oferecem, à partida, menor campo de actuação ao sector privado, se bem que a este não esteja vedado apresentar ofertas educativas a esses níveis. Aliás, como se sabe, existe, ainda que mui escassa, iniciativa privada no ensino básico.
Já a outros níveis, o ensino privado vem ganhando espaço significativo, a ponto de as estatísticas apontarem para uma participação algo expressiva de entidades privadas na educação pré-escolar, no ensino secundário e no ensino superior.

Entretanto, apesar de ser de criação muito mais recente que o ensino secundário privado, o ensino superior privado [2] tem vindo a conhecer uma grande expansão: no ano lectivo 2002/2003, abarcava um total de 44% dos estudantes e de 42% dos cursos de nível superior, à escala nacional, contribuindo para se acentuar progressivamente a diminuição da percentagem da frequência no exterior de cursos de graduação a nível do bacharelato e da licenciatura, seguindo uma tendência inversamente proporcional ao crescimento previsto do ensino superior em Cabo Verde, na sua totalidade, de acordo com os cenários projectados no Plano Estratégico da Educação. É assim que, neste particular, se registou uma situação de equilíbrio no ano lectivo 2004/2005 para, a partir de então, se registar uma maior frequência do ensino superior no território nacional.

Sem que seja nosso propósito deter-nos na explicação das causas da tendência para uma situação actual de relativo equilíbrio entre os sectores público e privado de ensino superior, em termos de oferta e frequência de cursos, é evidente que a diferença no acesso ao ensino secundário público e privado (este representava, em 2002/2003, cerca de 13% do total dos efectivos) tem a ver com a tendência para a progressiva generalização do ensino secundário público, devido, por um lado, ao aumento considerável do número de estabelecimentos públicos de ensino secundário e, por outro lado, à manutenção de um regime de propinas que, embora considerado gravoso por alguns sectores, está, entretanto, longe de corresponder aos custos reais desse nível de ensino, parâmetro que serve de base ao estabelecimento de propinas no ensino secundário.

Assim, por via de condicionalismos vários, o ensino privado, sobretudo a nível secundário, tem assumido, essencialmente, um papel de “complemento” do secundário público, não chegando ainda a uma situação de verdadeira “paridade” com este último, como já se verifica a nível superior. Retomamos este assunto mais adiante.

III. Considerações gerais sobre o enquadramento jurídico do ensino privado

A expansão da educação, embora se tenha feito acompanhar da regulação jurídica de uma série de questões relacionadas com a obra educativa, protagonizada por instituições e agentes vocacionados dos sectores público e privado, não conduziu ainda à regulação cabal de uma série de questões, de entre as quais avultam as que se pretendem com o funcionamento do sector privado do ensino.

Em todo o caso, passos importantes foram dados, a começar pela ordem constitucional vigente, que consagra normativos que fundamentam e legitimam a iniciativa privada no ensino a todos os níveis, como referimos acima.

A seguir à Constituição, destaca-se, pela sua hierarquia e importância, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), enquanto referência incontornável para a conformação e a garantia efectiva do Direito à Educação[3]. Posicionando-se logo a seguir às normas constitucionais, como acaba de ser dito, esta lei serve de referência às demais leis e normas relativas à educação em Cabo Verde, pelo que o seu estudo aprofundado se reveste da maior importância.

Estruturante do sistema educativo cabo-verdiano, a LBSE dispõe, no nº 6 do seu artigo 76º, que as condições e critérios a que deve obedecer o funcionamento do ensino privado devem constar de um diploma próprio (o “estatuto do ensino privado”), nos termos do qual é autorizado o exercício privado do ensino.

Acontece, entretanto, que o Estatuto do Ensino Privado aprovado Decreto-Lei nº 17/96, de 3 de Junho só contemplou o ensino privado ministrado nos estabelecimentos de educação e de ensino dos níveis pré-escolar, básico e secundário, não regulando os níveis médio e superior.

Esta situação manteve-se inalterado até que, em Outubro de 2005, o Governo fez publicar o Decreto-Lei nº 65/2005, de 24 de Outubro, que define um conjunto de regras a que devem obedecer, transitoriamente, a criação e o funcionamento de estabelecimento de ensino superior privado, deferindo-se para um futuro breve a aprovação do Estatuto do Ensino Superior Privado[4].

Assim, durante um interregno de quase uma década, registou-se um vazio de regulação jurídica do ensino superior privado. Na ausência de um “estatuto do ensino superior privado”, o Governo entendeu por bem seguir duas vias diferentes para obviar a instalação de instituições de ensino superior privado em Cabo Verde:
a) No caso da Universidade Jean Piaget, com sede na capital, o Governo utilizou a via legislativa para, por um lado, definir os princípios de actuação da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde e, por outro, autorizar o Instituto Jean Piaget a exercer actividade em Cabo Verde. Para o efeito, fez publicar, a 7 de Maio de 2001, os Decretos-Leis nºs 11 e 12/2001, respectivamente;
b) No caso do Instituto Superior Isidoro da Graça, com sede em Mindelo, o Governo utilizou a via administrativa para conceder a necessária autorização para o funcionamento desse instituto. Assim, pela Resolução nº 12/2003, de 9 de Junho, do Conselho de Ministros, é autorizada a Graça Empreendimentos, SA, a exercer ensino superior privado em Cabo Verde através do Instituto de Estudos Superiores Isidoro da Graça (IESIG).

Porque duas opções diferentes? Eis a questão que se nos coloca. E qual das duas será a melhor?

A resposta cabal a estas questões exigiria longa dissertação, que não cabe lugar aqui e agora, pelo que, de forma sucinta, fiquemo-nos pelas seguintes notas:

- Em princípio, ambas as instituições deveriam ter sido criadas ou autorizadas a exercer actividade em Cabo Verde após a aprovação do Estatuto do Ensino Superior Privado ou da aprovação de um novo “Estatuto do Ensino Privado”, que contemplasse os diversos subsistemas de ensino, incluindo o superior, com as tais “regras de jogo” balizadoras da iniciativa privada no ensino;
- No caso da Universidade Jean Piaget, na falta de norma legal habilitante no Estatuto do Ensino Privado, o legislador terá procurado uma saída airosa, ao proceder à autorização do seu funcionamento em Cabo Verde mediante um diploma legal, onde vêm plasmados os princípios a que deve obedecer a actuação da referida instituição no país;
- Em relação ao caso IESIG, aparentemente, o Governo seguiu a via recomendada pela doutrina: a autorização para a actuação de uma determinada entidade privada releva da competência administrativa do Governo, pelo que a Resolução seria a forma de acto apropriada. Simplesmente, não há exercício de competência administrativa sem suporte legal e, no caso em apreço, o Governo não tinha uma lei habilitante para proferir a referida resolução.

Concluindo, os estabelecimentos de ensino superior privado surgidos no primeiro lustro desta década foram criados através de autorizações casuísticas concedidas pelo Governo, quando seria mais salutar, e mais condizente com os princípios por que se rege um Estado de Direito Democrático, que os princípios e regras básicos norteadores do processo de criação, organização e funcionamento do ensino superior privado fossem preestabelecidos, mediante diploma próprio que, deste modo, conformaria, de forma clara e transparente, as “regras de jogo” a que deveriam sujeitar-se todos os promotores do ensino privado.

Em todo o caso, registe-se, como nota positiva, o facto de o actual Governo ter preenchido o vazio jurídico outrora existente, estabelecendo a normalidade possível na regulação do subsistema do ensino superior, que continua a padecer da falta de um regime jurídico geral consentâneo com a realidade e as exigências de desenvolvimento do país e as tendências da hodiernidade.

Nos pontos que se seguem, analisamos a legislação por que se rege o ensino privado a diversos níveis.

IV. Regime jurídico da educação privada a nível pré-escolar, básico e secundário[5]

Após uma década de aplicação, o Estatuto do Ensino Privado aprovado pelo Decreto-Lei nº 17/96, a 3 de Junho, revelou-se desajustado à realidade do sistema educativo cabo-verdiano, em muitos aspectos, confirmando-se insuficiente face às novas exigências.

Assim, reconhecida a relevância do papel dos estabelecimentos de ensino privado, que ampliam as possibilidades de acesso à educação e formação dos cabo-verdianos, complementando o papel do Estado na realização de um dos mais importantes direitos humanos (o direito à educação), foi aprovado o Decreto-Lei nº 32/2007, de 3 de Setembro, que instituiu o novo Estatuto do Ensino Privado de nível não superior, ou seja, aplicável aos estabelecimentos de ensino pré-escolar, básico e secundário, compreendendo, em relação a este último, as vias do ensino geral e do ensino técnico.
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Nos termos do diploma, considera-se: ensino privado o que é ministrado por pessoas singulares, cooperativas e outras pessoas colectivas privadas; estabelecimentos de ensino privado as instituições criadas por pessoas singulares, cooperativas ou outras pessoas colectivas privadas para ministrar o ensino colectivo privado, incluindo-se as instituições criadas por organizações religiosas para ministrar o ensino colectivo privado.

O diploma não se aplica aos estabelecimentos de ensino superior, ao ensino individual e doméstico e ao ensino religioso, nem tampouco ao ensino ministrado em escolas de formação de quadros de partidos políticos, de organizações políticas e de organizações religiosas. O diploma não se aplica igualmente aos estabelecimentos de ensino de Estados estrangeiros, nos quais sejam ministrados programas não aprovados pelo Ministério da Educação; às actividades de cariz social desenvolvidas, pelos centros de juventude, Câmaras Municipais e Organizações Não-Governamentais (ONG’s), aos estabelecimentos em que se ministre ensino intensivo, que é objecto de regulamentação própria, ou simples treinamento em qualquer técnica ou arte, o ensino prático das línguas, a formação profissional ou a extensão cultural.

Nos termos deste diploma, a criação de estabelecimentos de ensino privado depende de despacho do membro do Governo responsável pela área da Educação, precedendo o parecer da Direcção-Geral do Ensino, da Inspecção-Geral da Educação e da Delegações do Ministério da Educação das respectivas áreas.

Sem prejuízo da sua competência fiscalizadora geral, as escolas privadas que Beneficiam de qualquer dos apoios previstos na presente secção ficam especialmente sujeitos a inspecção pedagógica, financeira e administrativa do Estado, através da Inspecção-Geral da Educação

O Estado pode celebrar contratos com estabelecimentos de ensino privado que se localizam em zonas carenciadas de escolas públicas e se integram nos objectivos gerais da política e acção educativas do sistema. O Estado pode igualmente celebrar contratos com estabelecimentos de ensino privado localizados em zonas não carenciadas de escolas públicas, desde que se integrem nos objectivos referidos na última parte do número anterior.

Pode, ainda, o Estado celebrar contratos com estabelecimentos de ensino privado em que sejam ministradas matérias diferentes das dos programas oficiais, no quadro de experiências pedagógicas, ou que se proponham a criação de cursos com planos próprios. Os contratos especificarão os direitos e as obrigações recíprocas, em particular as obrigações da escola, como contrapartida dos apoios recebidos.

Distinguem-se no diploma em apreço dois tipos de contratos que o Estado pode celebrar com estabelecimentos de ensino privado: de associação e de patrocínio. Tais contratos podem ter duração plurianual e abranger alguns ou todos os níveis ou modalidades de ensino ministrados na escola.

Os contratos de associação têm por fim assegurar a frequência do ensino nas mesmas condições do ensino público e constituem o Estado na obrigação de conceder às escolas privadas abrangidas um subsídio de funcionamento anual, cuja fixação e actualização são feitas por portaria conjunta dos Membros do Governo responsáveis pelas áreas da Educação e das Finanças.

No caso do Ensino Básico obrigatório, são obrigações dos estabelecimentos de ensino privado outorgantes nos contratos de Associação: garantir a sua gratuitidade, nas mesmas condições do ensino público; divulgar o regime do contrato e a gratuitidade do ensino ministrado; garantir, até ao limite da lotação, a matrícula aos interessados, preferindo sucessivamente os alunos que pertencem ao mesmo agregado familiar, os residentes na área e os de menor idade; prestar contas ao serviço competente do Ministério da Educação, através de balanço e contas anuais, dos recursos públicos que lhes forem afectos.

Os contratos de patrocínio são celebrados entre o Estado e entidades titulares de escolas privadas quando a acção pedagógica, o interesse pelos cursos, o nível dos programas, os métodos e os meios de ensino e a categoria do pessoal docente o justifiquem. O objectivo dos contratos de patrocínio é estimular e apoiar o ensino privado em domínios não abrangidos ou insuficientemente abrangidos pelo ensino público, nomeadamente a criação de cursos com planos próprios e a inovação pedagógica.

No âmbito dos contratos de patrocínio, o Estado pode, em função da relevância dos cursos, obrigar-se, nomeadamente, a reconhecer o valor oficial dos títulos e diplomas emitidos pelas escolas; definir a equivalência dos cursos ministrados a cursos oficiais; definir as regras de transferências dos alunos para outros cursos; acompanhar a acção pedagógica das escolas; suportar uma percentagem das despesas de funcionamento das escolas.

Pelos contratos de patrocínio, as escolas abrangidas obrigam-se a divulgar o regime do contrato e, quando seja o caso, a estabelecer as propinas e mensalidades nos termos acordados e entregar no ao serviço responsável pela elaboração e execução de orçamento da Educação balancetes trimestrais e o balanço e contas anuais.

Independentemente da celebração de contratos e dos apoios estabelecidos nos mesmos, o departamento governamental responsável pela área da Educação pode conceder às escolas privadas que se integram nos objectivos do sistema educativo, além de apoios de natureza pedagógica subsídios especiais de arranque, de apetrechamento e outros devidamente justificados. Pode ainda o referido departamento governamental pode integrar os docentes do ensino privado em acções de formação profissional de docentes, desde que reúnam as mesmas condições exigidas aos docentes do ensino público. Os apoios e subsídios referidos devem ser requeridos ao serviço responsável pela elaboração e execução do orçamento da Educação até 31 de Março de cada ano, com vista ao ano escolar seguinte.

As escolas privadas que ministrem ensino colectivo que se enquadre nos objectivos do sistema educativo, podem ser consideradas pessoas colectivas de utilidade pública, a seu pedido ou por iniciativa do ministério da educação.

Os estabelecimentos de ensino privado, devem elaborar os seus estatutos, que, no respeito da lei, defina, os seus objectivos, a estrutura orgânica, o seu modelo de organização e a distribuição de competência pelos respectivos órgãos. Os estatutos das escolas privadas são homologados pelo membro do Governo responsável pela educação.

Os critérios e o processo de avaliação dos alunos do ensino básico obedecem ao regime em vigor nos estabelecimentos públicos. Para a certificação do 1º, 2º e 3º ciclo do ensino secundário, as provas gerais internas e as provas de recurso são validadas pelos serviços centrais competentes do departamento que tutela a área da educação. A certificação de conclusão do 3º ciclo do ensino secundário geral e técnico nas escolas secundárias privadas obtém-se mediante prestação de provas de exames nacionais nas disciplinas nucleares correspondentes ao plano de estudos de cada área. A realização de provas de exames nacionais é feita nas escolas privadas sob a superintendência de um júri constituído pela Direcção-Geral do Ensino.

A gestão pedagógica e administrativa dos estabelecimentos do ensino privado é assegurada obrigatoriamente pelos seguintes órgãos, cuja inexistência inabilita tais estabelecimentos de funcionar: um Órgão Directivo; um Órgão Pedagógico; um Órgão de Disciplina.

O pessoal docente das escolas privadas exerce uma função de interesse público, tem os direitos previstos na legislação do trabalho aplicável e está sujeito aos deveres inerentes ao exercício da função docente.

As convenções colectivas de trabalho do pessoal docente das escolas privadas devem ter na devida conta a função de interesse público que ele exerce e a conveniência de harmonizar as suas carreiras com as do ensino público.

Os docentes das escolas privadas devem possuir habilitações académicas adequadas ao respectivo nível de ensino ou curso e fazer prova de sanidade física e mental. A idade mínima para o exercício de funções docentes em escolas privadas é de 18 anos.

Os 25% mínimos do corpo docente exigidos nas escolas privadas exercem função a tempo integral. Exclusivamente para este efeito, é aplicável a carga horária semanal o previsto no Estatuto do Pessoal Docente, aprovado pelo Decreto-Legislativo nº 2/2004 de 29 de Março.

As habilitações académicas e profissionais a exigir aos docentes das escolas privadas relativamente aos diversos níveis de ensino são as exigidas aos docentes das escolas públicas.
Não podem exercer funções docentes nas escolas privadas os indivíduos que tenham sido condenados, por sentença transitada em julgado, em penas inibitórias do exercício de funções publicas, nos termos da legislação penal.

É permitida a acumulação de funções docentes em escolas privadas, sem prejuízo do estipulado no contrato de trabalho ou regulamente do pessoal.

Pode ser permitida a acumulação de funções em escolas privadas e escolas públicas, desde que não resulte daí prejuízo para o exercício público da função docente, não podendo em caso algum ser superior a 12 tempos semanais.

A acumulação de funções no ensino público e privado está sujeita a autorização do Director-Geral do Ensino e deve ser solicitada até 31 de Outubro cada ano.

O Estatuto permite a mobilidade de docentes do ensino básico e secundário entre o ensino privado e o ensino público e vice-versa, nos termos previstos na lei. Permite igualmente a transferência de matrícula dos alunos entre escolas privadas, e entre estas e as escolas públicas, nos mesmos termos que essas transferências se fazem entre as escolas públicas.

Os alunos das escolas privadas estão sujeitos ao pagamento de propinas de matrícula e frequência. Podem ter direito à isenção ou à redução de propinas, de acordo com os subsídios recebidos pelas escolas, nos termos previstos neste diploma, ou nas condições estabelecidas pelos respectivos estabelecimentos de ensino privado.

Os professores, os membros das direcções pedagógicas e as entidades proprietárias respondem disciplinarmente pela observância das normas legais aplicáveis às escolas privadas, incorrendo, em caso de incumprimento das mesmas, em diferentes sanções, designadamente advertência, coima, suspensão do exercício de funções, proibição do exercício de funções, suspensão de funcionamento por um período de um a dois anos lectivos e encerramento definitivo da escola aplicáveis, nalguns casos, pela entidade proprietária e, noutros, pelo Inspector-Geral ou pelo próprio Ministro da Educação.


V. Ensino privado de nível superior[6]

O Estatuto do Ensino Privado aprovado pelo Decreto-Lei nº 17/96, de 3 de Junho só contemplava o ensino privado ministrado nos estabelecimentos de educação e de ensino dos níveis pré-escolar, básico e secundário, não regulando o nível superior.

Assim, durante o interregno de quase uma década, registou-se um vazio de regulação jurídica do ensino superior privado. Na ausência de um “estatuto do ensino superior privado”, o Governo entendeu por bem seguir duas vias diferentes para obviar a instalação de instituições de ensino superior privado em Cabo Verde. Com efeito:

a) No caso da Universidade Jean Piaget, com sede na capital, o Governo utilizou a via legislativa para, por um lado, definir os princípios de actuação da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde e, por outro, autorizar o Instituto Jean Piaget a exercer actividade em Cabo Verde. Para o efeito, fez publicar, a 7 de Maio de 2001, os Decretos-Leis nºs 11 e 12/2001, respectivamente;

b) No caso do Instituto Superior Isidoro da Graça, com sede em Mindelo, o Governo utilizou a via administrativa para conceder a necessária autorização para o funcionamento desse instituto. Assim, pela Resolução nº 12/2003, de 9 de Junho, do Conselho de Ministros, é autorizada a Graça Empreendimentos, SA, a exercer ensino superior privado em Cabo Verde através do Instituto de Estudos Superiores Isidoro da Graça (IESIG).
Porque duas opções diferentes? Eis a questão que se nos coloca. E qual das duas será a melhor? A resposta cabal a estas questões exigiria longa dissertação, que não cabe lugar aqui e agora, pelo que, de forma sucinta, fiquemo-nos pelas seguintes notas:
- Em princípio, ambas as instituições deveriam ter sido criadas ou autorizadas a exercer actividade em Cabo Verde após a aprovação do Estatuto do Ensino Superior Privado ou da aprovação de um novo “Estatuto do Ensino Privado”, que contemplasse os diversos subsistemas de ensino, incluindo o superior, com as tais “regras de jogo” balizadoras da iniciativa privada no ensino;
- No caso da Universidade Jean Piaget, na falta de norma legal habilitante no Estatuto do Ensino Privado, o legislador terá procurado uma saída airosa, ao proceder à autorização do seu funcionamento em Cabo Verde mediante um diploma legal, onde vêm plasmados os princípios a que deve obedecer a actuação da referida instituição no país;
- Em relação ao caso IESIG, aparentemente, o Governo seguiu a via recomendada pela doutrina: a autorização para a actuação de uma determinada entidade privada releva da competência administrativa do Governo, pelo que a Resolução seria a forma de acto apropriada. Simplesmente, não há exercício de competência administrativa sem suporte legal e, no caso em apreço, o Governo não tinha uma lei habilitante para proferir a referida resolução.
Entretanto, a prática de concessão de autorizações casuísticas para o funcionamento de instituições privadas de ensino superior, sem a prévia definição dos princípios e regras básicos norteadores do processo de criação, organização e funcionamento do ensino superior privado, foi superada quando, em Outubro de 2005, o Governo fez publicar o Decreto-Lei nº 65/2005, de 24 de Outubro, que definiu um conjunto de regras a que deviam obedecer, transitoriamente, a criação e o funcionamento de estabelecimento de ensino superior privado, deferindo-se para um futuro breve a aprovação do Estatuto do Ensino Superior Privado.

Efectivamente, a 7 de Maio de 2007 foi publicado o Estatuto do Ensino Superior Privado e Cooperativo (Decreto-Lei nº 17/2007), que representa um passo importante na regulação do ensino superior em Cabo Verde, em particular a nível do sector privado, se bem que fosse recomendável que, a anteceder a publicação desse diploma, se tratasse de rever e desenvolver os princípios e regras conformadoras do regime jurídico geral do ensino superior, com base nas quais se aprovaria então o referido Estatuto.

Nos termos do Estatuto só podem ser instituições de ensino superior particular e cooperativo aquelas que forem reconhecidas como tais pelo membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior, estando, por isso, sujeita a beneplácito governamental a constituição de instituições de ensino superior, sendo condição para tal reconhecimento oficial a satisfação dos requisitos estabelecidos no estatuto.

O ensino superior particular prossegue os objectivos definidos na lei para o ensino superior e compreende o ensino universitário e o ensino politécnico. As instituições de ensino superior particular não podem ministrar outros níveis de ensino.

Cada instituição de ensino superior particular tem denominação própria e característica, resultante de patronímicos autorizados, que a identifique e que defina o âmbito da sua actividade.
A denominação de uma instituição de ensino superior particular não pode confundir-se com a de qualquer instituição, seja particular, cooperativa ou pública, nem originar equívoco sobre a natureza do ensino que pratica ou a qualificação institucional respectiva.
A denominação de cada instituição de ensino superior particular só pode ser utilizada depois de homologada pelo Membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior e assentada em registo próprio organizado pelo serviço competente.

As instituições de ensino superior particular devem fomentar a prática de investigação, não só como suporte essencial das actividades de ensino que realizam, mas também com o objectivo de contribuírem para o desenvolvimento científico e tecnológico em âmbito local e nacional.

As instituições de ensino superior particular devem ainda, abrir-se à prestação de serviços especializados susceptíveis de contribuir para a resolução de problemas de natureza socio-económica e, bem assim, manifestar disponibilidade para a realização de actividades de extensão científica e cultural.

As instituições de ensino superior particular podem organizar-se livremente para prosseguirem o seu projecto de ensino, investigação e promoção cultural, com respeito dos princípios estabelecidos na Constituição da República, na legislação aplicável e no presente estatuto.

As instituições de ensino superior particular gozam de autonomia científica e pedagógica.
Assim, no exercício da sua autonomia científica, compete às instituições de ensino superior particular:
a) A livre organização científica no âmbito do projecto institucional, que lhes haja sido estabelecido pela respectiva entidade instituidora;
b) A elaboração das propostas de planos de estudo respeitantes à organização curricular básica para cada um dos cursos ministrados;
c) A definição de componentes curriculares não incluídas na organização curricular básica legalmente definida para cada curso;
d) A selecção de docentes a propor, para efeitos de distribuição de serviço e eventual recrutamento, observados os requisitos estabelecidos pelo presente diploma;
e) A proposta de criação de centros de estudo e de investigação;
f) A fixação, sem discriminações, de requisitos de ingresso dos alunos, para além dos requisitos gerais de acesso ao ensino superior.

No exercício da sua autonomia pedagógica, compete às instituições de ensino superior particular, em relação a cada curso ministrado, a livre adopção de métodos de ensino – aprendizagem e a escolha de regimes de frequência e de avaliação a adoptar, nos termos da lei.

Cada instituição de ensino superior particular deve ser dotada, pela respectiva entidade titular, de um estatuto que, no respeito da lei, defina os seus objectivos, a sua estrutura orgânica, o seu modelo de organização e a distribuição de competências pelos respectivos órgãos.

Os estatutos das instituições de ensino superior particular (e respectivas alterações) são homologados por despacho do membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior e publicados no Boletim Oficial.

No âmbito das suas autonomias, as instituições de ensino superior particular mantêm entre si e com as demais escolas e instituições científicas e culturais do país, relações de cooperação.
As instituições de ensino superior particular podem, igualmente, promover o intercâmbio científico e cultural com entidades estrangeiras e internacionais.
As instituições de ensino superior particular, no âmbito da cooperação que estabeleçam entre si, podem associar-se para a realização de projectos com interesse mútuo.

A constituição de instituições de ensino superior particular deve orientar-se pelos seguintes objectivos:
a) Contribuir para dar expressão prática aos preceitos das liberdades de aprender, de educar e de ensinar, previstos no artigo 49º da Constituição da República;
b) Promover o acréscimo do pluralismo global do sistema de ensino;
c) Contribuir para a democraticidade do sistema de ensino, favorecendo o acesso ao ensino superior;
d) Participar do esforço de qualificação dos recursos humanos necessários ao desenvolvimento do país;
e) Favorecer os índices de inovação, de modernização e de progresso científico, técnico e tecnológico;

Tendo em vista a consecução dos objectivos referidos no artigo anterior e no respeito pela liberdade de criação de instituições de ensino superior particular, incumbe ao Estado:
a) Zelar pela garantia de um elevado nível científico, cultural e pedagógico das actividades das instituições de ensino superior particular;
b) Garantir todas as condições de integração e correspondente participação activa dessas instituições no sistema educativo;
c) Assegurar condições equitativas de concorrência, no âmbito do sistema educativo.
d) Verificar a satisfação dos requisitos estabelecidos para o reconhecimento oficial das instituições, para a entrada em funcionamento de cursos e para o reconhecimento de graus;
e) Apreciar o cumprimento das condições necessárias para a constituição de universidades, de instituições universitárias e de institutos politécnicos;
f) Organizar o registo de denominações e de todos os actos administrativos pertinentes sobre os quais tenham recaído decisões, provisórias ou definitivas, emitidas nos termos do presente estatuto;
g) Homologar os estatutos das instituições e proceder ao conveniente registo;
h) Fiscalizar o exacto cumprimento da lei e, em caso de infracção, aplicar as sanções nela cominadas.
i) Proporcionar apoio científico, técnico e pedagógico às instituições de ensino superior particular;
j) Apoiar o desenvolvimento de projectos educativos que considere relevantes, mediante esquemas de comparticipações contratualizadas em conformidade com a lei;
k) Celebrar contratos-programa com entidades titulares de instituições de ensino superior particular, orientados para a prossecução de objectivos mutuamente acordados.

As instituições de ensino superior particular são independentes do Estado, pelo que da concessão de quaisquer benefícios ou regalias pelo governo não resultam poderes especiais de fiscalização e de controlo, para além dos previstos na lei ou acordados em contratos específicos.

Podem constituir instituições de ensino superior as pessoas colectivas de direito privado constituídas para o efeito, as quais tomam a designação de entidades titulares. No que se refere às cooperativas, só podem usar desta faculdade se preencherem os requisitos exigidos pela legislação cooperativa para que sejam qualificadas como cooperativas de ensino superior.

Quando a entidade que pretende constituir uma instituição de ensino superior particular tiver natureza fundacional, compete ao Ministério da Educação e Ensino Superior o seu reconhecimento, nos termos da Lei.

A constituição de uma instituição de ensino superior particular é requerida ao Ministro da Educação e Ensino Superior, pela respectiva entidade titular. Ao requerimento, junta-se um processo que deverá conter, designadamente:
a) A escritura da constituição e estatutos ou pacto social da entidade instituidora;
b) O currículo individual dos membros dos órgãos sociais da entidade instituidora;
c) A denominação da instituição de ensino, bem como as respectivas propostas de estatuto e regulamentos considerados pertinentes;
d) A fundamentação do projecto educativo;
e) Os protocolos de colaboração para apoio científico pedagógico se existirem;
f) A afirmação de disponibilidade de um Conselho estratégico que integre, pelo menos, um elemento doutorado ou mestre em cada uma das áreas científicas em que se prevê desenvolver o projecto educativo, todos eles devidamente identificados e com residência permanente em Cabo Verde.
g) Um plano estratégico de desenvolvimento institucional subscrito pelo Conselho a que se refere a alínea anterior.

O requerimento de constituição de uma instituição de ensino superior privado deve ser apresentado com, pelo menos, 12 meses de antecedência da data prevista para a entrada em funcionamento dos primeiros cursos formais ministrados pela instituição. Segue-se o
Prazo de 3 meses para apreciação do requerimento pelo competente serviço do Ministério que tutela a área da Educação e Ensino Superior, o qual, se for caso disso, pode notificar a entidade requerente para efeitos de junção de elementos em falta no processo. Neste caso, se a entidade requerente não suprir os elementos em falta após 3 meses, o processo é liminarmente arquivado.

Uma instituição de ensino superior particular pode constituir-se sob a forma de universidade desde que, no desenvolvimento do seu projecto educativo, assegure o cumprimento dos seguintes aspectos:
a) Exprimir, no seu projecto institucional, condições de efectiva prossecução dos objectivos educacionais, científicos e culturais do ensino superior universitário;
b) Ministrar, no seu conjunto, o mínimo de quatro cursos de licenciatura de duas áreas científicas diferentes;
c) Dispor, em cada área científica, de um corpo docente que satisfaça as exigências de qualificação académica legalmente previstas, para ministrar cursos de ensino superior universitário.

Uma universidade de ensino particular só pode ministrar cursos de ensino politécnico se dispuser, na sua composição estrutural, de uma unidade orgânica autónoma vocacionada para esta modalidade de ensino.

Uma instituição de ensino superior particular pode constituir-se sob forma de instituto universitário desde que, no desenvolvimento do seu projecto educativo, assegure o cumprimento dos seguintes requisitos:
a) Exprimir, no seu projecto institucional, condições de efectiva prossecução dos objectivos educacionais, científicos e culturais do ensino superior universitário;
b) Ministrar cursos de licenciatura com uma vocação dominante ou com um grau de pluridisciplinaridade limitada;
c) Dispor, em cada área científica, de um corpo docente que satisfaça as exigências de qualificação académica legalmente previstas, para ministrar cursos de ensino superior universitário.
Um instituto universitário de ensino particular só pode ministrar cursos de ensino politécnico se dispuser, na sua composição estrutural, de uma unidade orgânica autónoma vocacionada para esta modalidade de ensino.

Uma instituição de ensino superior particular pode constituir-se sob forma de instituto politécnico desde que, no desenvolvimento do seu projecto educativo, assegure o cumprimento dos seguintes requisitos:
a) Exprimir, no seu projecto institucional, condições de efectiva prossecução dos objectivos educacionais, científicos e culturais do ensino superior politécnico;
b) Ministrar, no seu conjunto, o mínimo de dois cursos que não conferem grau de licenciatura em duas áreas de formação distintas;
c) Dispor de um corpo docente que satisfaça as exigências de qualificação académica legalmente previstas, para ministrar cursos de ensino superior politécnico.

Durante o período de instalação, o reconhecimento oficial das instituições de ensino superior particular tem carácter provisório.

Não obstante a observância dos fundamentos admitidos na lei geral, o reconhecimento oficial pode ser revogado, quando se verifiquem algumas das seguintes situações:
a) O reconhecimento ter sido obtido por meio de falsas declarações ou por outros meios ilícitos;
b) A instituição de ensino superior particular cessar ou suspender a sua actividade, sem ter dado conhecimento prévio à entidade competente e sem desta ter obtido a necessária aquiescência para cessação ou para a suspensão provisória de funcionamento;
c) Deixar de verificar-se algum dos requisitos ou condições exigidas para efeito de concessão do reconhecimento oficial;
d) Verificar-se incumprimento das leis e regulamentos que regulam a actividade do ensino superior particular.
Quando for revogado o reconhecimento oficial de um estabelecimento de ensino superior particular, a entidade competente, sem necessidade de recurso prévio a meios contenciosos, toma as medidas adequadas, nomeadamente no que respeita à salvaguarda dos interesses legítimos dos alunos do estabelecimento de ensino particular.

Nos casos em que instituição de ensino privado funcione em contravenção com disposições legais previstas no Estatuto, o membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior comunica o facto ao Ministério Público para que este promova o encerramento compulsivo dessa instituição.
Neste caso, o Ministro da Educação e Ensino Superior toma as providências necessárias à salvaguarda dos interesses dos alunos.
O processo de encerramento compulsivo de uma instituição não prejudica o apuramento da responsabilidade civil e criminal que couber.

As entidades titulares de instituições de ensino superior particular oficialmente reconhecidas podem requerer a entrada em funcionamento dos cursos que não tenham sido objecto de autorização no acto de constituição da respectiva instituição de ensino.
O pedido de entrada em funcionamento de um curso deve ser apresentado com uma antecedência mínima de seis meses em relação à data prevista para o seu início.
As entidades titulares de instituições de ensino superior particular ficam obrigadas de mandar publicar no Boletim Oficial a descrição sumária dos cursos e os respectivos planos de estudo.

Para efeitos de entrada em funcionamento de um curso, o processo relativo a instituição com reconhecimento oficial provisório deve incluir, obrigatoriamente:
a) Objectivos do curso, traduzidos em valores, conhecimentos, capacidades e competências a adquirirem;
b) Organização curricular básica do curso;
c) Espaço curriculares a preencher, de forma variável, por livre deliberação institucional;
d) Justificação da lógica dessa organização curricular;
e) Unidades de crédito correspondentes às áreas científicas integrantes dessa organização curricular básica;
f) Regimes de avaliação e frequência;
g) Relação dos professores que vão ministrar o 1.º ano do curso, acompanhada dos respectivos curriculum vitae;
h) Número máximo de alunos em cada curso, para efeitos de admissão e para efeitos de frequência.

Para efeitos de entrada em funcionamento de um curso, o processo relativo a instituição com reconhecimento oficial definitivo deve incluir, obrigatoriamente:
a) Objectivos do curso traduzidos em valores, conhecimentos, capacidades e competências a adquirirem;
b) Organização curricular básica do curso;
c) Unidades de crédito correspondentes às áreas científicas integrantes dessa organização curricular básica;
d) Número máximo de alunos em cada curso, para efeitos de admissão e para efeitos de frequência.

A decisão sobre a entrada em funcionamento de um curso orienta-se pelos seguintes parâmetros:
a) Enquadramento nos critérios de regulação global do sistema de ensino superior;
b) Conformidade da proposta apresentada aos critérios legalmente definidos para reconhecimento da validade científica e pedagógica dos cursos.
c) Existência de recursos materiais e físicos adequados ao desenvolvimento do curso.

A entrada em funcionamento de um curso considera-se autorizada se, no prazo máximo de seis meses, não for proferida decisão sobre o respectivo requerimento.

Os requisitos de composição do corpo docente que ministra os cursos de graduação organizados pelas instituições de ensino superior particular são, em tudo, idênticos aos que forem definidos para o ensino superior público, em função da modalidade de ensino praticada, da área científica correspondente e do número de alunos inscritos.

De igual modo, os requisitos que viabilizam a organização dos cursos de mestrado e programas de doutoramento por parte da instituição de ensino superior particular são idênticos aos definidos para o ensino público, dependendo do potencial científico disponível e das condições ambientais em matéria de equipamentos e outros recursos necessários.

As instituições de ensino superior particular com reconhecimento oficial definitivo podem organizar mestrados e doutoramentos em domínios científicos das áreas de conhecimento respectivas, nos termos previstos no Estatuto.

Mediante prévia autorização do membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior, uma instituição pode ministrar cursos para os quais obteve autorização de funcionamento em apenas um só concelho diferente daquele que referiu no seu processo de constituição e de autorização de funcionamento.

Os graus académicos concedidos e os diplomas atribuídos por instituição com reconhecimento oficial definitivo são automaticamente reconhecidos.

As entidades titulares de instituições de ensino superior particular com reconhecimento oficial provisório podem requerer o reconhecimento de graus e diplomas correspondentes aos cursos nelas ministrados.
Para o efeito, essas entidades devem apresentar requerimento dirigido ao membro do Governo responsável pela Educação e Ensino Superior, a partir da conclusão do segundo ano lectivo de funcionamento do curso, caso se pretenda ver reconhecido o grau de licenciado.

Nos termos do Estatuto, a entrada em funcionamento de novos cursos (ou seja, dos que não constarem do processo de constituição da instituição de ensino superior que os vai ministrar) depende do seu registo por parte do competente serviço do Ministério da Educação e Ensino Superior, mediante requerimento da entidade titular, acompanhado de processo do qual constam obrigatoriamente a denominação da instituição que vai ministrar o curso, a identificação do curso a ministrar, incluindo a respectiva organização curricular básica e a data previsível da sua entrada em funcionamento.

A entidade titular de uma instituição de ensino superior pode requerer ao membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior o encerramento da instituição ou a suspensão dos cursos ministrados.

O encerramento e a suspensão dos cursos operam-se através da suspensão das matrículas no primeiro ano de cada curso, concretizando-se apenas no final do período correspondente ao curso de maior duração acrescentado de dois anos, salvo casos excepcionais devidamente fundamentados e reconhecidos como tal por despacho do Membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior.
A entidade titular deve comunicar ao membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior a intenção de suspender as matrículas, com a antecedência mínima de um ano, relativamente àquele em que pretenda iniciar a suspensão dos ingressos.

A extinção ou dissolução da entidade titular de uma instituição de ensino superior particular pode acarretar o encerramento desta.
A formalização do encerramento de uma instituição de ensino superior particular, nos termos do número anterior, é feita por despacho do membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior.
O despacho ministerial deve acautelar, na medida do possível, o mecanismo de encerramento atrás referido.

As entidades titulares de instituições de ensino superior particular, com reconhecimento oficial definitivo, e que se dediquem, em exclusivo, a actividades de ensino e investigação científica e tecnológica, adquirem automaticamente a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública com dispensa do registo e das demais obrigações previstas na lei.
As que tiverem reconhecimento oficial provisório gozam, enquanto tal, das prerrogativas de pessoa colectiva de utilidade pública.
Caso se tratar de entidades sem fins lucrativos, nomeadamente as de natureza fundacional, cooperativa ou de solidariedade social, beneficiam das isenções fiscais previstas na lei.

As entidades titulares de instituições de ensino superior particular que, atenta a natureza do interesse público dessas instituições, optem por aplicar integralmente na sua valorização e na concessão de benefícios sociais aos seus colaboradores e alunos os excedentes financeiros da sua exploração, deduzidos os valores investidos, são consideradas, para todos os efeitos legais, entidades sem fins lucrativos, devendo tal opção ser manifestada, expressamente, nos estatutos da entidade titular. O direito a tal opção é atribuído apenas às entidades titulares que se dediquem, em exclusivo, a actividades de ensino e de investigação científica e tecnológica.

No que tange à organização e funcionamento das instituições de ensino superior privado, o Estatuto estabelece que, além das entidades titulares, tais instituições devem possuir um conjunto de órgãos necessários, o que não impede que possam dotar-se de outros, caso assim o entenderem.

Assim, as instituições universitárias de ensino superior particular dispõem, obrigatoriamente, dos seguintes órgãos: a) Reitor, no caso de se tratar de universidade ou instituto universitário; b) Órgão colegial científico; c) Órgão colegial pedagógico; d) Órgão colegial disciplinar.

As instituições politécnicas de ensino superior particular dispõem, obrigatoriamente, dos seguintes órgãos:
a) Presidente, no caso de se tratar de instituto politécnico; b) Órgão colegial científico; c) Órgão colegial pedagógico; d) Órgão colegial disciplinar.

As instituições de ensino superior particular podem optar por constituir o órgão pedagógico como secção autónoma do órgão científico, sem prejuízo de, desse órgão pedagógico participarem discentes, até um terço dos seus elementos. As instituições de ensino superior particular podem ainda constituir o órgão disciplinar como secção autónoma do órgão pedagógico.

As competências das entidades titulares e dos órgãos necessárias são definidas no Estatuto.

Referindo-se ao corpo docente, o Estatuto estabelece que, para o exercício da actividade docente nas instituições de ensino superior particular são exigíveis os requisitos habilitacionais ou curriculares legalmente definidos para a docência no ensino público.
[7]
Nos termos do diploma, após o período de instalação, as instituições de ensino superior particular devem dispor de um quadro docente próprio que integre, pelo menos, um doutor em regime de tempo integral por cada duzentos alunos, quando se trate de instituição que confira o grau de licenciado e esteja autorizada a conferir os graus de mestre e/ou doutor, ou um mestre em idêntico regime, por cada cem alunos, quando se trate de instituição que não confira o grau de licenciatura.

Durante o período de instalação, o Membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior pode autorizar o funcionamento de cursos em condições de menor exigência habilitacional do corpo docente.

A carreira docente dos professores do ensino superior particular desenvolve-se em duas ou três categorias que, sucessivamente, lhes vão conferindo maior grau de polivalência no que respeita à realização das funções que configuram o perfil profissional da actividade docente no ensino superior.
As funções dos professores das categorias a que se refere o número anterior podem também ser exercidas por docentes equiparados aos respectivos professores que disponham de currículo académico e/ou profissional reconhecido como relevante para o efeito, por deliberação do órgão científico da instituição.
Os professores e os docentes equiparados a que se refere o número anterior podem ser coadjuvados, no exercício de funções lectivas, por docentes habilitados com curso superior adequado, em situação de pré-carreira, durante um período estabelecido para obtenção do grau académico de ingresso na carreira. Nos casos em que a carreira se desenvolve em duas categorias, os graus académicos de ingresso na carreira são o mestrado ou o doutoramento, consoante se trate de docência no ensino politécnico ou no ensino universitário. Nos casos em que a carreira se desenvolve em três categorias, os graus académicos referidos no número anterior são, respectivamente, a licenciatura e o mestrado.

As funções docentes nas instituições de ensino superior particular podem ainda, com respeito da lei, ser exercidas por docentes de outras instituições, públicas ou privadas, em regime de acumulação.
Em relação a qualquer desses docentes, a acumulação não pode exceder, no universo das instituições em que é praticada, metade do número máximo de horas lectivas a que, nos termos da lei, o mesmo é obrigado na instituição de origem.

Quando se verificar mobilidade docente entre o ensino superior público e o ensino superior particular, ela não pode prejudicar direitos adquiridos, designadamente a contagem de tempo de serviço e a situação em carreira.

O acesso dos alunos aos cursos do ensino superior particular está sujeito às condições legalmente fixadas para o ensino superior.
O ingresso nos cursos do ensino superior particular está ainda sujeita às condições fixadas por cada instituição para a matrícula, a inscrição e a frequência dos alunos.

São permitidas transferências de alunos entre instituições de ensino superior particular e de ensino público, desde que respeitadas as condições para o efeito legalmente fixadas.
Da mesma forma, são autorizadas mudanças de curso, desde que observadas as normas fixadas para a matrícula, a inscrição e a frequência do novo curso.

As mudanças de curso ou as transferências de alunos não conferem à partida a estes qualquer direito ou garantia de reconhecimento ou de equivalência de disciplinas entretanto realizadas.
Nenhum aluno pode estar matriculado, simultaneamente, em mais de um curso de ensino superior.

As exigências de nível científico e pedagógico dos cursos ministrados pelas instituições de ensino superior particular devem respeitar os parâmetros definidos para o sistema nacional de ensino superior.
As instituições de ensino superior particular e os cursos por elas ministrados submetem-se à avaliação prevista em lei própria.

As infracções às normas contidas no presente estatuto, cometidas pelas entidades titulares ou pelos órgãos de decisão das instituições de ensino superior particular, dão lugar a aplicação das sanções previstas no Estatuto, designadamente coimas entre 2.000.000$00 e 5.000.000$00; suspensão da admissão de novos ingressos no 1º ano curricular dos cursos ministrados; suspensão de funcionamento dos cursos; encerramento compulsivo das instituições.

A aplicação de qualquer sanção é sempre precedida de processo instituído pelo competente órgão do Membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior, no qual são ouvidos, consoante os casos, os órgãos da administração da entidade titular e órgãos da direcção das instituições de ensino.
A competência para aplicar as sanções previstas no presente artigo pertence ao Ministro da Educação e Ensino Superior, e da respectiva decisão cabe recurso contencioso administrativo. O produto de coimas aplicadas reverte para a Acção Social Escolar do Ensino Superior.

O encerramento de uma instituição de ensino superior particular determina o termo do seu funcionamento legalizado.
O despacho do membro do Governo que tutela a área da Educação e Ensino Superior que determinar o encerramento de uma instituição de ensino superior particular fixa a entidade a cuja guarda é entregue a documentação fundamental da instituição encerrada, entendendo-se como tal documentação a que corresponda a interesses perenes e, nomeadamente, a livros de actas dos órgãos de direcção, escrituração da instituição, contratos de professores, livros de serviço docente, livros de termos e processos de alunos. Essa entidade é, em princípio, uma instituição de ensino superior que ministre a mesma modalidade de ensino. A essa entidade incumbe, a partir da data de recepção da documentação, a emissão de quaisquer documentos que vierem a ser requeridos, relativos ao período de funcionamento da instituição encerrada.



VI. O regime jurídico de gestão privada de estabelecimentos públicos

Se é certo que, até ao momento, só os estabelecimentos de ensino privado de nível não superior são contemplados com um Estatuto regulador dos princípios, regras e condições a que ficam sujeitos sua criação e funcionamento em Cabo Verde, o mesmo já não se poderá dizer em relação ao quadro jurídico que permita a gestão privada de estabelecimentos de ensino públicos.
Se bem que, nesta matéria, a regulação não abarque todos os níveis, por razões que são, aliás, óbvias, tanto o ensino secundário como o ensino superior são contemplados.

Assim, os princípios básicos da gestão privada de estabelecimentos de ensino superior são regulados pela Lei nº 97/V/99, de 22 de Março, que preconiza:
- A possibilidade de, por Resolução do Governo, ser submetido o estabelecimento público a regras de gestão empresarial e entregue tal gestão a pessoas colectivas privadas idóneas;
- A obrigatoriedade de as entidades gestoras assegurarem o acesso ao ensino nos termos dos demais estabelecimentos públicos;
- A submissão da gestão privada aos termos definidos nos respectivos contratos de gestão, cuja celebração é precedida de concurso público ou, excepcionalmente, de ajuste directo;
- O apoio estatal à entidade gestora, em temos de equipamentos e instalações, formação e investigação científica, compensação da obrigatoriedade de prestação de serviço educativo nas mesma condições do ensino público, etc.

Por outro lado, a possibilidade de gestão privada de estabelecimentos públicos do ensino secundário é consagrada em termos idênticos aos prescritos em relação ao ensino superior, conforme o disposto nº art. 11º do Decreto-Lei nº 20/2002, de 19 de Agosto.

Entre nós, não existe, todavia, tradição de gestão privada de estabelecimentos públicos, verificando-se a única excepção a nível superior: é o caso do ISCEE (Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais (ISCEE), criado pela Resolução nº 46/98, de 28 de Setembro e cujos Estatutos foram aprovados pelo Decreto-Lei nº 52/98, de 26 de Outubro. Ainda que sem um instrumento contratual devidamente aprovado, o ISCEE tem uma gestão privada, assegurada por personalidades da sociedade civil. Os Cursos Superiores de Gestão e Marketing e de Contabilidade, ministrados pelo ISCEE, foram aprovados pelo D.-Lei 26/95, de 22 de Maio.

A nível secundário, tem-se limitado a experiências incipientes, como a celebração de parcerias entre escolas públicas e entidades privadas para o aproveitamento de espaços públicos com vista à oferta de “ensino recorrente” a adultos, nomeadamente a estudantes que perderam o direito de frequência do ensino secundário público. Duas modalidades são conhecidas, todas elas padecendo de insuficiências e lacunas: criação de “escolas privadas” a partir de espaços públicos, leccionadas, na maior parte dos casos, por professores do ensino público; criação de cursos pós-laborais, formalmente de natureza pública, mas assumindo contornos em que dificilmente se consegue discernir e separar o interesse público do privado.


VII. Pontos fortes e oportunidades de melhoria do Ensino Privado

O diagnóstico do funcionamento do ensino privado em Cabo Verde apresenta, a par de insuficiências a serem superadas, uma série de evidências positivas que constituem um potencial importante para a promoção de melhorias ainda mais significativas no futuro próximo. Vejamos alguns desses pontos fortes:

1. A pertinência social do ensino privado

Procura-se o ensino privado porque se revela de utilidade na perspectiva de valorização pessoal, social e profissional dos que o frequentam. Com efeito, os estabelecimentos de ensino privado, a diversos níveis, têm permitido maior democratização no acesso ao conhecimento e ao saber, contribuindo para a integração no mercado de emprego, a melhoria de evolução profissional nas carreiras ou ainda a prossecução da formação nos níveis subsequentes, quer na perspectiva académica, quer na de habilitação profissional. O reforço da pertinência social do ensino privado, como do ensino público, deve passar pela maior interligação entre os sistemas de planeamento socio-económico, educativo e de formação profissional, de modo a que educação e a formação possam constituir-se, cada vez mais, em factores de inovação científico-tecnológica, de transformação e progresso sustentável do país.

2. O papel de alternativa ou de complemento em relação ao ensino público

O ensino privado a nível superior tem constituído uma alternativa ao sector público, que não consegue dar resposta cabal à demanda de ensino superior ou universitário, em virtude da massificação do ensino secundário em Cabo Verde.

Se esse papel de alternativa existe, igualmente, a outros níveis (posto que tem havido procura dos estabelecimentos privados de educação e ensino a nível pré-escolar, secundário e, com menos expressão, na educação básica), esse papel tende a ser subvalorizado, senão mesmo menosprezado, em certos círculos, nomeadamente quando se afirma, de forma algo depreciativa, que o ensino secundário privado é ainda um “mero complemento” ou “apêndice” do Ensino Público e não uma verdadeira e credível alternativa ao mesmo.

Na verdade, mesmo num contexto de verdadeira explosão da frequência do Ensino Secundário Público, o acesso e a permanência têm sido condicionados em função de critérios como os da idade e nº de reprovações, levando a que alguns milhares de jovens e adultos tenham ainda que recorrer a escolas privadas por perda ou falta de requisitos para frequentarem ou prosseguirem os estudos no ensino público. Imagine-se o que aconteceria se não existissem as Escolas Secundárias Privadas e se estas não desempenhassem esse papel socialmente relevante!

Mas, ao falar-se de mero papel de complemento, muitas vezes se ignora que o próprio sistema de financiamento do ensino público não favorece a concorrência, pelo que esse papel de complemento já é importante. Com efeito, atente-se no facto de o ensino básico ser de oferta maciça e gratuita pelo Estado e de os estabelecimentos públicos de ensino secundário e ensino superior praticarem um regime de propinas que, não obstante as críticas que possam ser feitas, têm um valor relativamente simbólico e longe de cobrir as despesas públicas de formação per capita do aluno (mais de 50 contos no ensino secundário e, pelo menos, 200 contos no ensino superior), sem incluir as despesas públicas de investimento!

É caso para se dizer que ainda não existe igualdade de condições de verdadeira concorrência entre o público e o privado, não só a nível do ensino básico mas também a nível secundário e, em parte no ensino superior (que irá contar, em breve, com uma Universidade pública), sendo por isso absolutamente normal que o ensino privado tenha dificuldade em concorrer, em condições de igualdade e paridade, com o ensino público. Tem-se, assim, a alternativa possível.

Em prol da qualidade e da sustentabilidade do sistema educativo, importa que se avance na senda da procura de formas de cooperação entre o poder público e o sector privado, de modo a que as ofertas educativas e formativas resultem alargadas e socialmente credíveis.

3. A qualidade do ensino privado

Se há procura, por vezes crescente, do ensino privado é porque, em princípio, o serviço de educativo que ali se presta ao cliente é de qualidade e utilidade satisfatórias. De contrário, o cliente, que paga o serviço prestado, dificilmente recorreria a esse serviço.

Tem-se falado de défice de qualidade no Ensino Privado, mas é evidente que este problema, de que se tem apenas uma percepção empírica e não suficientemente fundamentada, coloca-se também no sector público da educação, tanto em Cabo Verde como em outros países, sobretudo, como acontece entre nós, quando a grande maioria dos professores do ensino privado provém do sector público do ensino.

É certo que não se pode ignorar a situação com que, por vezes, é confrontado o estabelecimento de Ensino Privado: porque os clientes pagam o serviço, esperam a devida contrapartida, a qual, para alguns, representa não apenas bom serviço educativo mas, sobretudo, a expectativa de receber do estabelecimento privado o respectivo diploma ou certificado, independentemente do investimento feito na aprendizagem ou da qualidade desta.

Todavia, a questão da eventual falta de rigor da avaliação da aprendizagem não seria apanágio apenas dos estabelecimentos privados mas do sistema educativo em geral (e não apenas em Cabo Verde), tanto mais que, entre nós, a maior parte dos professores do ensino privado provém do ensino público, em regime de acumulação de funções.

Por outro lado, a análise do desempenho de alunos do ensino médio (Instituto Pedagógico) e superior (ISE, UNIPIAGET, ISCEE, etc.), provenientes do ensino secundário privado parece demonstrar que o seu perfil de entrada não fica a dever-se ao daqueles que são oriundos do ensino público. O mesmo se dirá em relação ao sucesso escolar obtido no estrangeiro por parte de estudantes do ensino secundário diplomados por estabelecimentos privados!

A garantia da qualidade, tanto no Ensino Privado como no Ensino Público deve ser assegurada, antes de mais, pelos esforços conjugados de promoção da excelência do serviço educativo (por parte das instituições de ensino e da Administração Educativa), que inclui, entre outras medidas, o reforço dos meios ou mecanismos de controlo interno e externo, a implementar de forma sistemática, transparente e à luz dos normativos aplicáveis, na sua tríplice dimensão:

- Controlo ex-ante: tem lugar através da melhoria do quadro normativo por que se rege o ensino privado a diversos níveis, com a definição prévia e clara das “regras de jogo”, mediante a fiscalização prévia das condições de organização e funcionamento oferecidas pelas entidades promotoras, antes da concessão do respectivo alvará, e ainda através de acções de apoio técnico-pedagógico, com vista a prevenir fracassos ou insucessos;
- Controlo concomitante: garante-se, essencialmente, através de uma ligação permanente entre o ministério (e ou organismo de controlo/avaliação) e o estabelecimento de ensino privado, para que haja a necessária fluidez na comunicação, sem prejuízo da autonomia da instituição educativa; garante-se ainda esse controlo através do aprimoramento dos mecanismos de acompanhamento, seguimento e avaliação da eficiência e eficácia dos processos de ensino-aprendizagem e de gestão académica, para que se possa inteirar in loco e no momento das “boas práticas”, que importa sejam disseminadas, e se possa detectar em devido tempo as insuficiências, para serem colmatadas oportunamente;

- Controlo sucessivo: realiza-se através de inspecções, avaliações e auditorias externas periódicas que permitem aferir até que ponto o desempenho da instituição educativa privada se insere nos padrões de eficiência e eficácia razoavelmente aceites, à luz das normas por que se rege, e bem assim implementar formas de apoio institucional, técnico e logístico, em ordem à consolidação dos pontos fortes e à superação de insuficiências constatadas.

Por outro lado, é mister que se proceda ao aperfeiçoamento do quadro legal por que se rege o ensino privado e se implementem políticas de fomento e incentivo do ensino privado, de modo a reforçar a sua credibilidade, por via da melhoria contínua do ensino ministrado.

Por seu turno, com base na experiência desenvolvida, é sempre possível aos estabelecimentos de ensino privado, com esforço próprio, desenvolver a sua capacidade institucional, de organização e de prestação do serviço educativo, de modo a cumprirem, cabalmente, o lugar que lhes está reservado no Sistema Educativo.

Assim, está ao seu alcance a implementação de medidas no sentido da diversificação e elevação da qualidade das ofertas educativas, o que implica, entre outras medidas: a fundamentação das ofertas formativas nas necessidades e perspectivas de desenvolvimento socio-económico do país; o aprimoramento nos processos de recrutamento e actualização dos professores; a aposta permanente na inovação pedagógica, na pesquisa e na investigação; o apetrechamento com materiais didácticos adequados, nomeadamente bibliotecas, Internet, Laboratórios, etc. generalização das práticas de planificação, seguimento e avaliação das actividades pedagógicas; o envolvimento dos agentes educativos nos diversos níveis de gestão escolar, etc.


Praia, Março de 2008.
Bartolomeu Varela

Nota: Outros diplomas de interesse para o ensino superior privado:

Decreto-Lei 15/2000, de 13 de Março, que estabelece o regime de acesso e ingresso no ensino superior;

Decreto – Lei n.º 6/97, de 3 de Fevereiro – regula o regime jurídico do financiamento para a formação pós-secundária no país ou no estrangeiro;

Decreto-Lei nº 56/97, de 1 de Setembro – Regula a prestação de garantias para a formação de pós-graduação;

Decreto-Lei nº 7/97, de 3 de Fevereiro – Define o regime jurídico das bolsas-empréstimos;

Decreto-Lei nº 8/97, de 3 de Fevereiro – Estabelece uma linha de crédito bonificado para as bolsas de estudo;

Resolução nº 25/97, de 28 de Abril – Fixa o montante das bolsas-empréstimos;

Decreto-Lei nº 4/95, de 13 de Fevereiro – Cria o Fundo de Apoio ao Ensino e à Formação (FAEF), organismo do Estado que gere a concessão e o reembolso das bolsas de estudo para formação pós-secundária, no país e no estrangeiro.




[1] Citação de memória do antigo Ministro da Educação, Victor Borges.
[2] O ensino superior privado é obra do 3º milénio, posto que a primeira universidade do país, de natureza privada (a UNIVERSIDADE JEAN PIAGET) data de 2001.
[3] Cf. Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro, na nova redacção dada pela Lei nº 113/V/99, de 18 de Outubro.
[4] No momento em que se publica este apontamento, recebemos a notícia da aprovação pelo Governo do Estatuto do Ensino Superior Privado e Cooperativo, ainda não publicado no Boletim Oficial. Trata-se de uma iniciativa positiva, mas que parece pecar pela sua inoportunidade: estando na agenda a revisão mis ou menos profunda da Lei de Bases do Sistema Educativo, incluindo a parte concernente ao subsistema de ensino superior, seria curial que este Estatuto aguardasse essa revisão de modo a ficar em sintonia com as opções a serem consagradas na Lei de Bases.
[5] Cf. Decreto-Lei nº 32/2007, de 3 de Setembro
[6] Cf. Decreto-Lei nº 17/2007, 7 de Maio

[7] Exclusivamente para os efeitos referidos aqui, considera-se tempo lectivo integral uma carga horária semanal de 8 a 12 horas.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Sistema educativo: conceito, características e evolução. O caso cabo-verdiano

Sistema educativo: conceito, características e evolução. O caso cabo-verdiano*


Para melhor elucidarmos o conceito e as características do Sistema Educativo, torna-se necessário rever alguns conceitos básicos da Teoria Geral dos Sistemas, o que fazemos de forma necessariamente sucinta e nos aspectos reputados como indispensáveis, seguindo de perto Lauzan (1987)**.


1. Conceito de Sistema

O conceito de sistema faz parte da base conceptual de uma parte da Cibernética1 que se denomina Teoria Geral de Sistemas, cujo objectivo é relacionar entre si a grande variedade de sistemas existentes de maneira a descobrir suas propriedades e desenvolver um referencial teórico que possa ser aplicável a todos eles. Entretanto, há certos grupos específicos de objectos ou fenómenos da realidade que, pelas suas características particulares, exigem abordagens específicas e não unicamente no quadro da teoria geral dos sistemas. Assim pode falar-se de sistemas biológicos, sociais, organizativos, electrónicos, etc., cujos estudos ficam a cargo de ramos específicos da teoria geral.

O conceito de sistemas tem sido formulado de modo diferente pelos especialistas, entre os quais não há unanimidade sobre a sua definição. Alguns defendem que, por se tratar de um conceito intuitivo, não carece de definições. Todavia, é possível encontrar pontos comuns nas diferentes posições e, desta forma, formular uma ideia básica acerca do que são os sistemas. Assim, de quase todas as definições resulta a ideia de que sistema é um conjunto organizado e integrado de elementos que concorrem para o mesmo fim.

Numa abordagem mais elaborada, diremos que sistema é um conjunto de elementos, que, possuindo propriedades ou atributos específicos, estabelecem relações entre si e com o meio ambiente, gerando sinergias e contribuindo para o mesmo fim. O sistema é assim esse conjunto de elementos, propriedades, relações que, pertencendo à realidade objectiva, representa para o investigador o objecto do seu trabalho. O aspecto mais importante reside em que o sistema constitui um todo e, portanto, apresenta como resultado final ou integrado determinadas propriedades que não é possível localizar de forma isolada em nenhuma das suas componentes (efeito sinergético). Todo esse complexo de elementos, propriedades, relações e resultados finais tem lugar em determinadas condições de espaço e tempo e em contacto com um meio ambiente.

2. Conceitos básicos inerentes à noção de Sistema

Precisemos alguns conceitos básicos ligados ao conceito de sistema, tal como o definimos acima:
- Elementos: São as partes que compõem o sistema. São ilimitadas na sua variedade: átomos, peças de viatura ou máquina, pessoas, departamentos, corrente, variáveis matemáticas, etc. Definem-se em função dos objectos de estudo.
- Relações: São os vínculos que se estabelecem entre os elementos (do sistema) e que permitem que estes se mantenham unidos e formem o sistema. Assim, num sistema dado, não interessam todos os vínculos mas aqueles que respondam ao objecto de estudo. Exemplo: a relação “dependência hierárquica” resulta muito importante para o estudo de um sistema do ponto de vista organizativo, mas pode ter escasso interesse para o estudo do mesmo sistema do ponto de vista financeiro.

- Atributos: São aquelas propriedades dos elementos e das relações que permitem definir os sistemas em função do objectivo pretendido com o estudo (idade ou anos de experiência; funções, energia velocidade, etc.). Exemplo: a propriedade “anos de experiência como professor” pode ser muito importante para o estudo relacionado com o sistema de promoção, embora possa não ter valor nenhum para o estudo da saúde desse professor.

- Efeito sinergético: É o efeito que se consegue num sistema quando este apresenta propriedades de conjunto que não surgem como resultado da simples soma das propriedades dos seus elementos mas sim como produto ou resultado da interacção e integração de todos eles no tempo e no espaço. Exemplo: um relógio tem como propriedade marcar a hora, propriedade essa que não corresponde a nenhuma de suas peças em particular, mas, quando todas essas peças se relacionam entre si de determinada maneira e actuando cada uma no momento que lhe diz respeito, são capazes, como um todo, de obter tal propriedade, que é a de marcar a hora. Se se desarma o relógio, juntando as suas peças de qualquer maneira, ter-se-ia a soma de todas elas mas incapaz de marcar a hora.
- Meio ambiente: É tudo o que tem ligação com o sistema objecto de estudo mas não faz parte integrante dele. Entre o sistema e o meio ambiente há um intercâmbio de informação, dinheiro, energia, materiais, desejos, etc. [1]

2. Subsistemas

Um dado subsistema pode ser constituído por vários elementos ou subsistemas.

Entende-se por subsistema qualquer sistema que, para efeitos práticos, convém estudá-lo como parte de um sistema maior. Por exemplo: a educação superior pode ser estudada como subsistema, se se quiser enfatizar que é um subconjunto do Sistema Educativo Nacional, ou como sistema, se não é necessário destacar esse aspecto para efeitos da análise que se efectua e dos objectivos pretendidos.
Todavia, no âmbito de um mesmo estudo é possível empregar-se ambas as abordagens (de subsistema e de sistema).

3. Relações entre o sistema e o seu meio ambiente

As relações entre um dado sistema e seu ambiente são de dois tipos:
a) As do meio ambiente para o sistema (magnitudes de entrada ou inputs);
b) As do sistema para o meio ambiente (magnitudes de saída ou outputs).

As magnitudes de entrada (Me), conhecidas também como causa exterior, perturbação, acção, estímulo, inputs, etc., constituem a forma como o meio ambiente actua sobre o sistema, provocando determinados efeitos.
As magnitudes de saída (Ms), conhecidas também como efeito de perturbação, reacção, resposta, outputs, etc., constituem a forma em que o sistema actua sobre o meio ambiente, ou seja, a maneira como o meio é afectado pela actuação do sistema.

4. Classificação dos sistemas

A classificação dos sistemas em categorias ou grupos mostra-se de grande utilidade, posto que permite identificar de forma sucinta as características dos objectos ou fenómenos que se estudam a partir da teoria geral de sistemas
A seguir se apresenta uma classificação dos sistemas atendendo a diferentes critérios:

a) Tendo em conta a sua relação com o meio ambiente, um sistema pode ser:
- Fechado, quando visto como isolado totalmente do meio;
- Aberto, quando se considera todas as suas relações com o meio;
- Semiaberto, se se considera apenas uma parte de suas relações com o meio.
b) Em relação à sua estrutura, um sistema pode ser:
- Simples, se se compõe de um pequeno número de partes, cujas inte-relações e propriedades têm um comportamento bastante elementar;
- Composto, quando se estrutura em vários sistemas (subsistemas) que, por sua vez podem ser decompostos em outros níveis inferiores de análise. Possui numerosas relações internas e externas e um sistema amplo de hierarquias. Seus elementos, grupos de elementos e subsistemas apresentam uma ampla gama de propriedades que formam uma rede. Seu dinamismo é geralmente alto;

c) Quanto à sua previsibilidade, o sistema pode ser:
- Determinístico, quando suas saídas (outputs) podem ser estabelecidas de forma inequívoca a partir da quantidade e qualidade de suas entradas;
- Probabilístico, se o sistema é afectado por factores imprevisíveis ou limitadamente previsíveis, que impedem estabelecer inequivocamente suas saídas como uma função de suas entradas;

d) No que tange ao dinamismo, um sistema é:
- Estático, se não varia no tempo ou se suas variações no tempo são insignificantes para efeitos do estudo que se vai realizar;
- Dinâmico, se para efeitos do estudo, são consideradas todas ou algumas de suas variações no tempo;

e) Quanto à sua capacidade de regulação, o sistema pode ser:
- Auto-Regulado, quando possui capacidade própria de governação/regulação;
- Não auto-regulado, quando depende totalmente do meio para sua gestão ou regulação.

f) Em relação à sua origem, o sistema pode ser:
- Natural, se surge na natureza;
- Artificial, se é criação do homem;

g) Quanto às suas componentes, o sistema é:
- Físico, quando é formado por elementos materiais;
- Social, se é constituído por pessoas;
- Procedimental (ou de procedimentos), se é formado por regras, normas ou instruções;
- Conceptual, se é formado por ideias, raciocínios.

2. Conceito e características gerais dos sistemas educativos

2.1. Conceito de sistema educativo

Entendendo um sistema como um conjunto de elementos organizados para a prossecução do mesmo fim, o sistema educativo[2] pode ser definido como um conjunto integrado de estruturas, meios e acções diversificadas que, por iniciativa e sob a responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas, concorrem para a realização do direito à educação num dado contexto histórico[3].

Dito de outro modo, o sistema educativo vem a ser um conjunto de estruturas e instituições educativas que, embora possuam características ou peculiaridades específicas, relacionam-se entre si e com o meio ambiente envolvente de forma integrada e dinâmica, combinando os meios e recursos disponíveis para a realização do objectivo comum que é garantir a realização de um serviço educativo que corresponda, em cada momento histórico, às exigências e demandas de uma sociedade.

A condução e a coordenação da política relativa ao sistema educativo, independentemente das instituições que o compõem, incumbem ao ministério especialmente vocacionado para o efeito: o ministério da educação.


2.2. Características gerais dos sistemas educativos

Tendo em conta os critérios de classificação geral dos sistemas, acima enunciados, podemos caracterizar os sistemas educativos da seguinte forma:

a) Por sua relação com o meio – o sistema educativo é um sistema aberto, pois está em plena relação com o meio envolvente. NB: Não deve confundir-se a natureza aberta do sistema educativo com o estilo de gestão de uma instituição educativa (gestão aberta, semiaberta ou fechada);
b) Atendendo à sua estrutura– é um sistema composto, pois que integra outros sistemas (subsistemas) que, por sua vez podem ser decompostos em outros níveis inferiores de análise;
c) Quanto à sua previsibilidade – é um sistema probabilístico, na medida em que é afectado por factores imprevisíveis ou limitadamente previsíveis, que impedem estabelecer inequivocamente que determinados inputs ao sistema provocarão efeitos certos e determinados;
d) Por seu dinamismo, é um sistema dinâmico, visto que, para efeitos de seu estudo, são consideradas todas ou algumas de suas variações no tempo. Evolui consoante o contexto (espaço-temporal, socio-cultural, etc.);
e) Por sua estabilidade, é um sistema relativamente estável, posto que tem uma capacidade média de resistência aos factores de perturbação ou inputs externos;
f) Por sua capacidade de regulação, é um sistema ecléctico (um misto de sistema “auto-regulado” e de sistema “não auto-regulado”), ou seja: tem certa capacidade própria de governação/regulação mas não deixa de depender grandemente do meio para sua gestão ou regulação;
g) Quanto à sua origem, é um sistema artificial, posto que é obviamente criado pelo homem;
h) Por suas componentes, é um sistema social, visto que está constituído por pessoas;
i) Por sua forma de regulação, é um sistema conceptual (Está formado por ideias, raciocínios) e de procedimentos (Está formado por regras, normas ou instruções).



3. Aspectos da evolução do sistema educativo cabo-verdiano[4]

Como qualquer outro, o sistema educativo cabo-verdiano, enquanto parte integrante do sistema social, é por natureza dinâmico. Evolui ou deve evoluir em função das mudanças operadas na sociedade. Quando o sistema político não acompanha a evolução da sociedade ou do sistema social em que se integra, esse sistema político entra irremediavelmente em crise.

Acompanhando o percurso histórico da sociedade cabo-verdiana, podemos encarar a educação em Cabo Verde em função de duas grandes etapas:

a etapa colonial, em que a educação em Cabo Verde fazia parte integrante do sistema educativo português;
a etapa pós independência nacional, em que é, paulatinamente, edificado um sistema educativo cabo-verdiano, baseado em pressupostos, estrutura, objectivos e normas próprios de um estado soberano e apostado no desenvolvimento económico e social do país.

Cada uma das grandes etapas pode, por sua vez, subdividir-se em várias outras, em função das particularidades históricas que marcaram a evolução da sociedade cabo-verdiana.

3.1. A etapa colonial

Assim, na etapa colonial, as características da educação em Cabo Verde foram conhecendo variações importantes em função das mutações políticas, sociais, económicas e culturais que se foram registando no sistema colonial português. Com efeito, a educação praticada na sociedade colonial escravocrata não podia ter as mesma características que a implantada após a extinção da escravatura ou ainda por ocasião da implantação da república em Portugal.

Em todo o caso, um elemento comum que caracterizava a educação em Cabo Verde ao longo da etapa colonial consistia no facto de que lhe eram inerentes os mesmos pressupostos filosóficos e políticos em que se baseava o sistema educativo adoptado pelo estado colonial português: era uma educação ao serviço dos interesses da potência colonial portuguesa e, portanto, defensora da ordem colonial instituída.

Ao sistema educativo colonial herdado eram inerentes os seguintes traços essenciais: uma educação instrumentalizada politicamente pelo poder colonial, cujos princípios, valores e objectivos orientavam o ensino praticado nas escolas cabo-verdianas; uma educação alienada, porque não alicerçada na realidade cabo-verdiana e, logo, inadaptada às condições físicas, geográficas, humanas, económicas e culturais de Cabo Verde; uma educação altamente selectiva, a que se tinha acesso em função e na medida da necessidade de defesa e reprodução da ordem colonial portuguesa; uma educação altamente discriminadora e elitista, que oferecia escassas oportunidades às camadas mais desfavorecidas da sociedade cabo-verdiana; um ensino essencialmente teórico e, como tal, desfasado da vida e da prática social; uma educação centrada nas quatro paredes da sala de aula, desligada da comunidade...

Caracterizando um pouco o sistema de ensino praticado na época colonial, assim dizia o então Primeiro Ministro Pedro Pires em 1997 [5]:
“...Pelo ensino então ministrado não conhecíamos a nossa terra mas conhecíamos bem Portugal não conhecíamos o nosso continente, mas conhecíamos bem o continente europeu e eu até hoje me lembro bastante bem dos rios, dos caminhos de ferro de Portugal, Europa, etc. Mas quanto a Cabo Verde pouco conhecia da nossa realidade e mal conhecíamos as povoações mais importantes desta ou daquela ilha”
...Éramos formados para servir mais fora de Cabo Verde do que servir em Cabo Verde e servir Cabo Verde...”
...A outra Escola formava homens (...) que tinham um certo horror pelo trabalho manual (...) e tinham certo desprezo, talvez eu esteja a exagerar, pelos trabalhadores, por aqueles que não tinham este ou aquele ano de liceu”...

Entretanto, apesar de a educação colonial se ter revelado inadequada à realidade e às expectativas da nação cabo-verdiana, que viria a entrar em ruptura com o poder colonial, erigindo-se em Estado, de modo a procurar novos paradigmas de sua afirmação e realização, podem extrair-se aspectos positivos e ou ilações do sistema de ensino anterior à independência, susceptíveis de ajudar a equacionar os problemas com que o país se defronta actualmente, ma perspectiva da modernização e elevação da qualidade de ensino. De entre esses aspectos ou ensinamentos positivos, podem apontar-se:

a) O facto de as metodologias tradicionais de ensino, nomeadamente as de iniciação à leitura e escrita e ao cálculo, serem acessíveis aos professores, que as podiam aplicar sem grandes dificuldades, e bem assim à generalidade da população letrada, que assim podia colaborar, muitas vezes até precocemente, na alfabetização e iniciação à aritmética das crianças. Pelo contrário, a modernização dos métodos de ensino, em contexto de grande massificação do ensino, não foi acompanhada de uma adequada e massiva formação de professores que, em grande número, não dominam esses métodos, com implicações negativas no desenvolvimento das aprendizagens básicas. Quanto à população (às famílias), é evidente a maior dificuldade em colaborar no processo de aprendizagem das crianças, por via da maior inacessibilidade dos métodos de ensino-aprendizagem. Ora, a socialização destes é condição importante para uma colaboração mais efectiva das famílias no processo educativo;

b) A circunstância de, nessa época, poder encontrar-se o núcleo essencial das competências e dos saberes em um número restrito de manuais, de textos não necessariamente longos, o que facilitava a apreensão dos conteúdos programáticos essenciais. É claro que este facto estimulava a “memorização” dos conteúdos, em detrimento do desenvolvimento da capacidade de análise e de posturas activas no processo de aprendizagem, mas deve ter-se em conta que a estimulação do campo cerebral da memória é algo de suma importância, que deve acompanhar o processo de aprendizagem em todos os contextos modernos de aprendizagem.[6];

c) O facto de os manuais de outrora, especialmente os de língua portuguesa, darem devida importância à agora chamada “educação para valores” (valores morais, éticos e cívicos), o que nem sempre se alcança de muitos textos dos “manuais da reforma”...

3.2. A etapa pós Independência

3.2.1. Estruturação

“Com a conquista da independência nacional, a Educação atinge uma nova dimensão, como instrumento activo de transformação das estruturas e relações sociais e de reconversão das mentalidades, numa perspectiva de integração no processo de desenvolvimento global e harmonioso do país”.[7]

Com a Independência Nacional, preconiza-se a “implantação progressiva de um novo sistema de ensino consentâneo com os objectivos da Reconstrução Nacional, isto é, a liquidação da miséria, a elevação progressiva do nível de vida e a libertação de todas as formas de exploração e dependência, visando criar uma Pátria livre, independente e progressista”.2

O sistema de ensino inicialmente implantado apresentava uma estrutura em que se evidenciam, fundamentalmente: o ensino primário, de 4 anos, da 1ª à 4ª classes, precedido de uma incipiente educação pré-escolar, que sucede à outrora chamada “classe pré-primária”[8]; o ensino liceal ou secundário de 7 anos, sendo os dois primeiros constituindo o chamado ciclo preparatório, a que se seguiam o curso geral dos liceus (3 anos) e o curso complementar dos liceus (dois anos). O ensino superior não era inicialmente ministrado em Cabo Verde mas exclusivamente no exterior. Em contrapartida, a educação extra-escolar ganha corpo logo no período de transição para a Independência, com o movimento nacional da alfabetização e educação de adultos.

A partir das conclusões e recomendações do Encontro Nacional de Quadros da Educação realizado em 1977, na cidade de Mindelo, vai-se avançando na senda do aperfeiçoamento do sistema educativo. Assim, o ensino básico irá abranger dois níveis, sendo o nível elementar da 1ª à 4ª classes, e o nível complementar (EBC), referente à 5ª e 6ª classes. Consequentemente, o ensino secundário passará a ser de 5 anos, com dois níveis: o primeiro, de 3 anos, correspondendo ao curso geral dos liceus (ensino secundário básico) e o segundo, de 2 anos, compreendendo o curso complementar dos liceus (ensino secundário complementar).

Entretanto, vão sendo criados embriões do que serão futuras instituições de ensino superior: pelo Decreto nº 70/79, de 28 de Julho, é formalizada a criação do Curso de Formação de Professores do Ensino Secundário, que mais tarde irá dar lugar ao actual Instituto Superior de Educação; o Centro de Formação Náutica irá evoluir para o actual Instituto Superior da Engenharia e Ciências do Mar…

Assim, em finais de 1990, quando é aprovada a lei de bases do sistema educativo, este passa a incluir o subsistema do ensino superior, assumindo a configuração que basicamente ainda subsiste.


3.2.2 Princípios, objectivos e valores

Na senda do Encontro Nacional de Quadros da Educação de 1977, e retomando os princípios então propostos para o novo sistema de ensino, o III Congresso do PAIGC, do mesmo ano, reforçava a orientação segundo a qual “ a Educação deve estar estreitamente ligada ao trabalho e ter por finalidade o desenvolvimento de conhecimentos, qualificações e valores que permitam ao estudante inserir-se na sua comunidade e contribuir para a sua melhoria permanente”[9].

Tal como se enuncia no II Congresso do PAICV (1983), o novo sistema educativo baseia-se, assim, em princípios como:
a) a universalidade da educação – esta deve ser acessível a todos os membros da sociedade;
b) a integração da educação no processo de desenvolvimento nacional;
c) a funcionalidade da educação – esta deve integrar a teoria e a prática, ligar o trabalho intelectual ao manual; deve proporcionar conhecimentos, promover atitudes e desenvolver competências necessárias à vida
d) o reforço da identidade cultural [10].

Definidos em documentos políticos adoptados desde os primeiros anos da Independência, os objectivos do novo sistema educativo viriam a ser fixados, do seguinte modo, no ordenamento jurídico cabo-verdiano, em 1990, ao se proceder à aprovação da lei de bases do seguinte educativo[11]:

a) Promover a formação integral e permanente do indivíduo, numa perspectiva universalista;
b) Formar a consciência ética e cívica do indivíduo;
c) Desenvolver atitudes positivas em relação ao trabalho e, designadamente, à produção material;
d) Imprimir à formação uma valência científica e técnica à formação, que permita a participação do indivíduo, através do trabalho, no desenvolvimento socio-económico do país;
e) Promover a criatividade, a inovação e a investigação como factores de desenvolvimento;
f) Preparar o educando para uma constante reflexão sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionar-lhe um equilibrado desenvolvimento físico;
g) Reforçar a consciência e a unidade nacionais;
h) Estimular a preservação e a reafirmação dos valores culturais e do património nacional;
i) Contribuir para o conhecimento e o respeito dos Direitos do Homem e desenvolver o sentido de tolerância e solidariedade;
j) Fomentar a participação das populações na actividade educativa.

Desde a Independência e tal como está consagrado nos documentos fundamentais[12] por que se tem orientado a educação em Cabo Verde, o sistema educativo promove valores como: a liberdade, o patriotismo, a independência nacional, a unidade nacional, a democracia e a participação popular, a cultura nacional, o trabalho, o progresso, o bem-estar e a justiça social,
a solidariedade internacional, a igualdade dos indivíduos perante a lei, a defesa dos direitos humanos e direitos fundamentais do homem...

3.2.3 A Educação na I e na II Repúblicas

Ao longo da Independência, o sistema educativo cabo-verdiano tem conhecido um processo de construção, afirmação e aperfeiçoamento, quer em termos de medidas de política, quer no que respeita à sua configuração normativa e orgânica, quer ainda em termos de funcionamento e gestão.

As alterações de fundo no sistema político cabo-verdiano não se devem fundamentalmente à passagem da chamada I República à II República[13] mas sim a um esforço de adequação permanente do ensino às exigências decorrentes de uma sociedade em rápidas e profundas mutações. Na verdade, as principais inovações e medidas introduzidas na II República no âmbito do ensino já haviam sido concebidas, aprovadas ou mesmo ensaiadas na I República, havendo assim uma evolução natural, praticamente sem rupturas.

Entretanto, assiste-se, rapidamente, a uma grande massificação do acesso ao ensino a diversos níveis, de que são expressão o alargamento da escolaridade básica e obrigatória de quatro para seis anos, o crescimento exponencial dos efectivos do ensino secundário, o que se irá repercutir no aumento da procura e da oferta de ensino superior.

Por outro lado, com a I República verifica-se uma subtil e importante mudança em termos de fonte formal de legitimação do sistema educativo, com implicações na mudança de discurso político e do quadro referencial de orientações em matéria de política educativa.

Com efeito, na chamada I República, as directivas fundamentais do Estado (incluindo as relativas ao sistema de ensino) inspiravam-se nas linhas de orientação traçadas pelo partido no poder, que era a “força política dirigente da sociedade e do Estado”[14] (sistema de monopartidarismo).

“...A nossa Escola não é apolítica nem neutra” – dizia, em 1977, o Primeiro Ministro de Cabo Verde; “ela deve reflectir as preocupações do nosso Governo, a linha política do nosso Partido, o P.A.I.G.C.. E também deve reflectir as preocupações de toda a humanidade progressista de hoje”[15]...

Com o advento da II República, consumou-se a separação partido/estado, adaptando-se o funcionamento do Estado e, por consequência, do sistema educativo à circunstância de Cabo Verde passar a ser um “Estado de Direito Democrático”[16], cuja actuação se processa na base na legalidade instituída por órgãos de soberania saídos de eleições pluralistas (sistema de multipartidarismo)...

4. Actualidade e perspectivas

4.1. Documentos referenciais da Política Educativa

A Política Nacional da Educação vem a ser um conjunto de decisões, orientações e medidas de política pelas quais se deve orientar o funcionamento e o desenvolvimento do sistema educativo cabo-verdiano, com a finalidade de dar resposta às exigências da sociedade em matéria de formação e qualificação de recursos humanos.

Baseando-se nos preceitos constitucionais aplicáveis, a política nacional da educação está consubstanciada, actualmente, num conjunto de documentos estruturantes, cuja leitura atenta aconselhamos:
- A Constituição de Cabo Verde de 1992 (na revisão de 1999);
- Programa do Governo para a VII Legislatura (2006-2011);
- Grandes Opções do Plano (Lei nº 8/VI/2002, de 11 de Março).
- Plano Nacional de Educação para Todos (2002-2010);
- Plano Estratégico para a Educação (2002-2015);
- Plano Estratégico de Formação Profissional (2006-2011)...

4.2. Princípios fundamentais das reformas educativas

À escala planetária, o direito à educação tem vindo a ser defendido e promovido como um dos mais importantes Direitos Humanos, encontrando-se consagrado no ordenamento constitucional de numerosos países como um Direito Fundamental dos cidadãos.

Na verdade, a massificação da educação, enquanto fenómeno mundial, deriva do reconhecimento da educação/formação como uma condição imprescindível ao progresso material e espiritual das sociedades, ou, dito de outro modo, como uma exigência incontornável para a promoção de um efectivo desenvolvimento humano.

Cabo Verde não tem estado alheio ao fenómeno da massificação do ensino e aos desafios que coloca, sendo disso expressão, na actualidade, um conjunto de decisões de política educativa que vêm sendo implementadas, tendo por paradigma a garantia do acesso equitativo aos diversos níveis de ensino de forma sustentável e com elevado nível de qualidade.

Efectivamente, a democratização do acesso não é nem deve ser considerada um fim em si mesmo: uma educação pautada pela excelência surge como um enorme desafio, neste momento em que, além de nos preocuparmos com a garantia do acesso equitativo à educação, nos propomos igualmente assegurar o acesso equitativo a uma educação de qualidade e socialmente pertinente.

É evidente que, sobretudo em países com graves limitações em termos de recursos (humanos, materiais, financeiros, tecnológicos), como Cabo Verde, a garantia de uma educação pautada pela excelência apresenta outro desafio, que é o da sua sustentabilidade, que abordamos aqui, sobretudo, na perspectiva restrita de financiamento das políticas educativas.

Assim, e na esteira, aliás, das opções que têm marcado os processos de reforma educativa à escala mundial, alguns princípios apresentam-se-nos como inelutáveis:

a) Princípio da responsabilização financeira do Estado, entendido no sentido da satisfação dos encargos públicos exigíveis na efectivação do direito à educação e ao ensino e no da maximização das capacidades existentes, com a consequente arbitragem das prioridades na expansão dos diferentes níveis de ensino;

b) Princípio da co-gestão, que se traduz na comparticipação da sociedade no financiamento e no controlo social da educação, que deve, aliás ser assumida como tarefa de toda a sociedade e não exclusiva do estado;

b) Princípios da igualdade e da democraticidade, traduzidos no direito conferido aos cidadãos de, segundo as suas capacidades, acederem aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística, sem restrições de natureza económica ou outra;

c) Princípio da universalidade, entendido como o direito de acesso de todas as instituições e de todos os estudantes aos mecanismos de financiamento público previstos na lei;

d) Princípio da justiça, entendido no sentido de que ao Estado e aos estudantes incumbe o dever de participarem nos custos do financiamento do ensino secundário público, como contrapartida quer dos benefícios de ordem social quer dos benefícios de ordem individual a auferir futuramente;

e) Princípio da não exclusão, entendido como o direito que assiste a cada estudante de não ser excluído, por força de carências económicas, do acesso e da frequência do ensino secundário, para o que o Estado deverá assegurar um adequado e justo sistema de acção social escolar;

f) Princípio da equidade, entendido como o direito reconhecido a cada instituição e a cada estudante de beneficiarem do apoio adequado à sua situação concreta;

g) Princípio da complementaridade, entendido no sentido de que as instituições devem encontrar formas adicionais e não substitutivas do financiamento público.

h) Princípio da sustentabilidade, que implica a necessidade de ter em conta os meios e recursos necessários para a implementação das opções e medidas de política educativa numa lógica de continuidade e irreversibilidade das conquistas educacionais, designadamente dos indicadores de resultados escolares;

i) Princípio da pertinência social da educação/formação, que exige a adequação do serviço educativo prestado às demandas e exigências de desenvolvimento socio-económico e às perspectivas de realização pessoal e social dos indivíduos;

j) Princípios da empregabilidade, que implica a necessidade de as instituições educativas prepararem os indivíduos para se integrarem na vida activa, dotando-os de conhecimentos, habilidades e competências que lhes permitam ser competitivos no mercado de trabalho;

k) Princípio da abordagem por competências, que visa, a partir do desenvolvimento das competências cognitivas, afectivas e activas dos indivíduos, aprimorar a sua capacidade empreendedora, preparando-os para se inserirem na sociedade como sujeitos activos, autónomos e criativos, de modo a contribuírem para o progresso sustentável da sociedade, o aumento da competitividade do país nos contextos regional e ou mundial e a realização e, consequentemente, para o seu próprio bem-estar pessoal.

(...) Como se colhe das experiências de Educação Comparada, uma reforma educativa só pode ser sucedida se encarada como um processo permanente de aprimoramento, em que se hão-de combinar, adequadamente, os diversos princípios acima enunciados.

Assim, e sendo certo que o financiamento da educação constitui problema sério mesmo nos países mais desenvolvidos do mundo, razão por que o acesso aos diversos níveis de deve ser equacionado nessa perspectiva, o problema do financiamento da educação nem sempre aparece como o principal desafio dos sistemas educativos. A conjugação dos diversos princípios de reforma poderá não apenas ajudar a equacionar o crucial problema do financiamento, mas, igualmente, propiciar:

a) O reforço da articulação entre a educação/formação, tendo em vista a maximização das possibilidades de integração efectiva dos formandos na vida activa e, designadamente, no mercado de trabalho;

b) A realização pessoal e social dos formandos, que pode ser lograda mediante a obtenção de níveis diferenciados de educação/formação (e não exclusivamente pela formação universitária);

c)O aumento da competitividade dos recursos humanos e da economia, à escala nacional, regional e mundial...

Bartolomeu Varela
* Extractos do Manual de “Estrutura e Funcionamento do Sistema Educativo”, do autor (ISE, 2006)
** Lazan, Orlando Carnota. Teoria y Practica de la direccion social. Universidad de La Habana, 1987.
Notas:
1 Do Gr. kybernetiké, arte de governar. Cibernética é o estudo dos mecanismos de comunicação e de controlo nas máquinas e nos seres vivos, do modo como se organizam, regulam, reproduzem, evoluem e aprendem.

[1] A separação conceptual entre sistema e meio ambiente depende do objecto de estudo pretendido e, portanto, não se está perante uma definição única para todos os casos.
[2] Esta definição de sistema educativo é construída a partir dos elementos conceptuais constantes da Lei de Bases do Sistema Educativo português.
[3] Falamos aqui do contexto histórico em sentido amplo que inclui as condições de existência humana no espaço e no tempo e tendo em conta as realidades económicas, sociais e políticas prevalecentes.
[4] Não se tem aqui a pretensão de fazer a história do sistema educativo ou mesmo da educação em Cabo Verde: pretende-se enfatizar a necessidade de se encarar um sistema educativo numa perspectiva diacrónica, ou seja, na sua evolução ao longo do tempo, procurando analisar criticamente o legado das gerações anteriores, de modo a melhorar o desempenho actual e futuro do mesmo sistema.
[5] In “Encontro Nacional de Quadros da Educação (Agosto/Setembro 1977)
[7] In “O novo ensino em Cabo Verde” – Documentos do II Congresso do PAICV (1983)
[8] Por ocasião da Independência Nacional existia a chamada classe pré-primária, de 1 ano, que tinha como objectivo fundamental assegurar a propedêutica (preparação) das crianças para o ingresso no ensino primário propriamente dito. A classe pré-primária, frequentada por crianças com 6 anos de idade, era ministrada pelos mesmos professores do ensino primário. Extinta a “pré-primária”, surge, em seu lugar, a educação pré-escolar, protagonizada, no início, essencialmente pelo Instituto Cabo-Verdiano de Solidariedade (ICS).
[9] In “Resolução do III Congresso do PAIGC (1977).
[10] In “O novo ensino em Cabo Verde” (1983).
[11] In “Lei de Bases do Sistema Educativo” (Lei nº 103/III/90, de 29 de Dezembro, com alterações introduzidas pela Lei nº 113/V/99, de 18 de Outubro). A Lei de Bases precisa que os objectivos da política educativa “entendem-se, adequam-se e executam-se de harmonia com as linhas orientadoras da estratégia de desenvolvimento nacional”.
[12] Ver, entre outros, “O novo ensino em Cabo Verde” (1983), a “Constituição da República” de 1980, a Constituição da República” de 1992, Programas de Governo, Planos Nacionais de Desenvolvimento...
[13] Convencionou-se chamar de I República ao período inicial dos 15 anos de Independência (1975-90), durante os quais vigorou um sistema monopartidário. A II República corresponde assim ao período que se seguiu (a partir de 1990/91), coincidindo com a consagração formal e efectiva do multipartidarismo.
[14] In Constituição da República de 1980.
[15] In “Encontro Nacional de Quadros da Educação (Agosto/Setembro 1977 – 2. Conclusões e Documentos Diversos”.
[16] Cf. Constituição da República de 1992 (versão actualizada) - Suplemento ao BO nº 43 de 23.11.99.

Qualidade e Regulação da Educação - Práxis e perspetivas no contexto cabo-verdiano

Partindo do entendimento de que a educação, a diversos níveis, constitui um bem público essencial, ė imperioso que ela seja de qualidade, so...